A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), tomada em 2023, autorizando a apreensão de documentos como CNH e passaporte de devedores inadimplentes, marcou um importante, e controverso, passo no sistema jurídico brasileiro. A medida amplia o arsenal coercitivo à disposição da Justiça, mas ao mesmo tempo reacende o debate sobre os limites do Estado diante das garantias individuais.
O STF validou a possibilidade de juízes autorizarem a apreensão de documentos pessoais de devedores, com o objetivo de pressioná-los a cumprir suas obrigações financeiras. Isso não significa que qualquer inadimplência possa resultar em medidas como essas. A aplicação deve respeitar os princípios constitucionais da proporcionalidade, razoabilidade e individualização da pena.
Ou seja, a medida só se justifica quando há fortes indícios de que o devedor está utilizando meios fraudulentos para evitar o pagamento ou se nega a colaborar com o processo judicial.
Medida de pressão, não de punição
É importante destacar que a apreensão de documentos não é uma punição pela dívida. No Brasil, não se pode prender ou punir alguém simplesmente por estar devendo, com exceção dos casos de pensão alimentícia. A medida aprovada pelo STF tem caráter coercitivo, ou seja, serve para forçar o cumprimento de uma decisão judicial já existente.
Ela não é automática e deve ser solicitada pela parte credora, cabendo ao juiz avaliar a pertinência em cada caso.
Quem pode ser afetado?
A decisão não se aplica de forma indiscriminada a todos os inadimplentes. Ela tem como foco principal aqueles que, mesmo tendo condições de pagar, adotam comportamentos que dificultam ou impossibilitam a execução da dívida.
Alguns exemplos de situações que podem justificar a apreensão de documentos:
- O devedor oculta bens para evitar penhora;
- Viaja ao exterior frequentemente enquanto alega não ter recursos;
- Mantém padrão de vida incompatível com a condição financeira alegada em juízo;
- Recusa-se a fornecer informações solicitadas pela Justiça.
Nesses casos, a apreensão de documentos funciona como uma forma de pressionar o devedor a cooperar com o processo.
Limites e exceções
Apesar de autorizada, a medida encontra limites importantes. Um deles é o impacto sobre a capacidade de trabalho do devedor. A CNH, por exemplo, pode ser essencial para o exercício de certas atividades profissionais. Retirá-la pode inviabilizar o sustento do devedor, o que contraria o próprio objetivo da execução, que é o pagamento da dívida.
Nesses casos, o juiz pode, e deve, avaliar se a apreensão será produtiva ou se gerará um prejuízo ainda maior, inclusive para o credor. A Justiça também deve evitar qualquer violação ao direito de ir e vir, previsto constitucionalmente.
Impactos no sistema jurídico
A autorização para apreender documentos abre um novo cenário para a cobrança de dívidas no Brasil. De um lado, fortalece o poder dos credores e aumenta a efetividade das ações judiciais. De outro, impõe aos juízes uma responsabilidade ainda maior: equilibrar a necessidade de cobrança com a proteção dos direitos fundamentais.
É um passo que pode contribuir para a redução da inadimplência estratégica, aquela em que o devedor tenta escapar das dívidas com artifícios jurídicos ou comportamentos de má-fé.
Críticas e preocupações
Organizações da sociedade civil e juristas têm manifestado preocupações em relação ao risco de abusos. A principal crítica é que a medida, se mal aplicada, pode penalizar pessoas em vulnerabilidade social, que não têm como pagar e tampouco agem de má-fé.
Também há o receio de que juízes adotem a apreensão como um padrão, sem análise individualizada, o que contraria diretamente os critérios estabelecidos pelo próprio STF.
Portanto, o desafio será construir uma jurisprudência sólida, baseada em casos concretos e decisões bem fundamentadas, evitando o uso indiscriminado dessa nova possibilidade.
A autorização para apreensão de documentos de devedores representa uma mudança significativa no panorama jurídico brasileiro. Se aplicada com critério, pode ser uma ferramenta legítima para combater fraudes e garantir o cumprimento de decisões judiciais. No entanto, exige cautela, equilíbrio e responsabilidade.