Nas ruas enlameadas do Barro Branco, comunidade tradicional da Ilha de Itaparica, tratores já provocam mudanças significativas antes mesmo do início oficial das obras da megaponte.
A derrubada de árvores, o aterramento de mangues e o fechamento de caminhos sagrados geram apreensão entre moradores e líderes religiosos. Áreas verdes usadas em cultos aos orixás e eguns, símbolos da cultura afro-brasileira, estão ameaçadas pelo avanço das máquinas.
Com extensão prevista de 12,4 km, a ponte entre Salvador e Itaparica será a maior da América Latina, conectando o continente à ilha e prometendo um fluxo diário de 28 mil veículos.
Prevista para reduzir distâncias e integrar rotas, a obra, que foi idealizada em 2009 e licitada apenas em 2019, ainda enfrenta atrasos e revisões orçamentárias, que já elevaram seu custo inicial de R$ 6,3 bilhões para mais de R$ 10 bilhões.
Pressões financeiras
Após a assinatura de um novo acordo entre o governo estadual e o consórcio chinês responsável pela obra, foram reajustados os prazos e o orçamento, incluindo pagamentos anuais elevados ao longo de quase três décadas.
Além disso, o consórcio justifica os aumentos devido à pandemia e dificuldades técnicas, como a presença de rochas que elevam a complexidade da construção. Essas questões acendem debates sobre a viabilidade econômica e social do projeto.
Consequências para comunidades tradicionais
O avanço da megaponte já pressiona ao menos 114 áreas consideradas sensíveis para os modos de vida das comunidades locais, incluindo territórios para pesca, mariscagem, fontes de água e trilhas de manguezais.
As comunidades do Barro Branco e do Mocambo sentem o peso da invasão imobiliária e dos aterros, que ameaçam ecossistemas ricos e o patrimônio cultural das religiões afro-brasileiras. Terreiros centenários, como o Ilê Tuntun Olukotun, único na diáspora negra com culto a Baba Egum, enfrentam riscos de destruição e perda.
Movimentos sociais e protestos
Lideranças comunitárias e membros do Movimento pela Defesa do Território Sagrado denunciam a falta de consulta prévia e participação popular no processo de decisão.
Para eles, o projeto não respeita os direitos das populações tradicionais e alimenta a pressão imobiliária que ameaça expulsar moradores locais e desfigurar o modo de vida secular. A construção de uma via expressa que cortará a ilha pode impactar diretamente 124 terreiros e diversos pontos de referência cultural.
Três inquéritos em andamento, conduzidos pelo Ministério Público Federal e do Estado da Bahia, avaliam os impactos socioambientais da obra e a legalidade dos processos envolvendo comunidades tradicionais.
A preocupação central é o respeito aos direitos territoriais, o meio ambiente e a sustentabilidade da baía de Todos-os-Santos, que abriga biomas sensíveis e enfrenta problemas crônicos de saneamento e acesso à água potável.
Desafios ambientais
Manguezais, como os do Mocambo e do Parque das Mangueiras, sofrem pressão direta da obra e das construções adjacentes, ameaçando habitats de caranguejos, lambretas e aratus.
A destruição desses ambientes compromete a pesca artesanal e a segurança alimentar local, além de desequilibrar o ecossistema costeiro. Ambientalistas alertam que o impacto urbanístico pode gerar um efeito dominó de ocupação e degradação territorial.
Respostas oficiais
A concessionária responsável afirma que o projeto seguirá normas de desenvolvimento sustentável e direitos coletivos, apresentando 40 programas socioambientais com orçamento de R$ 250 milhões.
Entre as ações previstas estão capacitação profissional, incentivo ao empreendedorismo local e preservação cultural. O governo da Bahia promete ampliar consultas às comunidades e reforçar medidas mitigatórias na fase de instalação da obra, com atenção especial aos acessos tradicionais de pesca e mariscagem.