Na última quarta-feira (28), a Azul anunciou seu pedido de recuperação judicial nos Estados Unidos, tornando-se a terceira grande companhia aérea brasileira a recorrer a essa medida. Antes, Gol iniciou o processo em 2024 devido a dívidas estimadas em R$ 20 bilhões, e a Latam Brasil já havia feito o mesmo em 2020, conseguindo, posteriormente, reverter sua situação.
A principal justificativa para o pedido de recuperação judicial pelo Capítulo 11, mecanismo previsto na legislação americana, é a possibilidade de continuar operando normalmente, enquanto negociam a reorganização de suas dívidas e reestruturação financeira nos bastidores.
Esse procedimento protege a empresa de ações judiciais e execuções, garantindo a manutenção dos voos e serviços aos clientes.
Segundo John Rodgerson, CEO da Azul, a companhia foi fortemente afetada pela pandemia de Covid-19, além de instabilidades macroeconômicas e problemas na cadeia de suprimentos da aviação. Esses fatores provocaram um acúmulo de dívidas que a recuperação judicial visa eliminar, no caso da Azul, cerca de US$ 2 bilhões (aproximadamente R$ 11,28 bilhões).
Fatores econômicos que agravaram a crise no setor aéreo brasileiro
Especialistas apontam para três elementos principais que pressionam as companhias aéreas:
- Desvalorização do real frente ao dólar: A maior parte dos custos, como leasing de aeronaves e compra de peças, é dolarizada, enquanto a receita é majoritariamente em reais.
- Altos custos operacionais: O aumento dos preços do querosene de aviação e despesas ligadas ao funcionamento das companhias.
- Aumento das taxas de juros: Eleva o custo do capital e dificulta o refinanciamento das dívidas.
O economista Ricardo Machado Ruiz destaca que, antes da pandemia, o cenário era mais favorável, com preços de petróleo mais baixos e menor valorização do dólar. A crise sanitária fez despencar a demanda por passagens, impactando negativamente as receitas.
Desafios específicos do setor aéreo brasileiro
Rodrigo Gallegos, especialista em reestruturação, chama a atenção para a concorrência intensa baseada no preço das passagens, o que limita margens de lucro. Além disso, contratos de leasing são vulneráveis: dificuldades financeiras podem levar as locadoras a retomar os aviões, paralisando operações.
Márcio Peppe, da KPMG, destaca que o “descasamento” cambial, receita em reais e despesas em dólar, é um problema estrutural, comum não só no Brasil, mas em muitos países emergentes, que levam as companhias a renegociar suas dívidas com frequência para alongar prazos e evitar inadimplência.
Ausência de apoio governamental no pós-pandemia
Diferentemente dos Estados Unidos e Europa, as companhias aéreas brasileiras não receberam suporte governamental direto após a crise do coronavírus, como linhas de crédito específicas para o setor.
Marcus Quintella, da FGV Transportes, enfatiza que a recuperação judicial funciona como uma ferramenta essencial para a reorganização financeira, possibilitando renegociações e melhor fluxo de caixa, além da manutenção das operações e pagamento de funcionários.
Carga tributária elevada e infraestrutura deficiente
Segundo Gianfranco “Panda” Beting, consultor de aviação e ex-diretor de marketing da Azul, o setor é prejudicado por uma das cargas tributárias mais pesadas do mundo para o combustível de aviação e por um sistema tributário complexo, que obriga as empresas a manter grandes estruturas jurídicas para lidar com constantes mudanças.
Além disso, a falta de modernização na gestão do tráfego aéreo brasileiro resulta em rotas menos eficientes, maior tempo de voo e a necessidade de manter uma frota maior do que o necessário, aumentando os custos.
Falta de planejamento estratégico para o setor aéreo brasileiro
O economista Ingo Plöger aponta a ausência de uma estratégia clara de médio e longo prazo para a aviação nacional, especialmente em relação à conectividade regional.
O Brasil concentra seu fluxo aéreo principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, deixando vastas regiões menos conectadas. Essa falta de planejamento compromete a competitividade do país no cenário global e limita o potencial de crescimento do setor.
Sem reformas estruturais, que envolvem políticas públicas, investimento em infraestrutura, redução da carga tributária e estratégia de expansão regional, o setor aéreo brasileiro continuará vulnerável a crises e dificuldades financeiras.