A questão sobre a responsabilidade dos bancos em casos de golpes envolvendo contas digitais tem gerado debate, principalmente com o recente julgamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A decisão, que envolveu o caso do “golpe do leilão falso”, traz à tona questões complexas sobre a segurança bancária no meio digital, o papel dos bancos e os direitos dos consumidores.
O caso que gerou o julgamento envolveu um homem que, acreditando ter arrematado um veículo em um leilão virtual, fez um pagamento de R$ 47 mil por meio de um banco digital. Porém, ele foi vítima de um “golpe do leilão falso”, onde estelionatários criam sites fraudulentos que imitam plataformas de leilões legítimas.
Após o pagamento, o homem não recebeu o carro, percebendo que havia sido enganado. A vítima, então, buscou indenização contra o banco, alegando que a instituição financeira foi negligente na criação da conta que facilitou a aplicação do golpe.
Responsabilidade dos bancos na abertura de contas digitais
A principal alegação da vítima foi a facilidade excessiva para a abertura da conta bancária, o que teria permitido a ação dos estelionatários. Ela argumentou que o banco não adotou medidas suficientes para verificar a identidade do titular da conta, contribuindo para a fraude.
No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) considerou que o banco seguiu os procedimentos definidos pelo Banco Central (Bacen) e que a vítima não agiu com a devida cautela ao se deixar enganar pela oferta suspeita.
Papel do Banco Central nas regras para contas digitais
A ministra Nancy Andrighi, relatora do caso no STJ, destacou que o Banco Central estabelece regras gerais para a abertura de contas digitais por meio da Resolução 4.753/2019. A regulamentação, no entanto, não detalha quais documentos ou processos são necessários para a criação dessas contas, deixando a cargo das instituições financeiras a responsabilidade de adotar os critérios adequados para a verificação e qualificação dos titulares.
A nova regulamentação foi criada com o objetivo de facilitar o acesso da população ao sistema bancário e promover a inclusão financeira. Isso significa que os bancos têm liberdade para definir os processos necessários para a abertura de contas digitais, desde que sigam os princípios de segurança e prevenção à lavagem de dinheiro.
Falha no serviço ou cautela do consumidor?
A decisão do STJ foi clara ao afirmar que, se o banco seguiu todas as regras estabelecidas pelo Bacen para a abertura e manutenção da conta, não pode ser responsabilizado pela fraude, mesmo que estelionatários tenham utilizado a conta para aplicar o golpe. A relatora enfatizou que, para que haja responsabilidade da instituição financeira, seria necessário provar que houve falha na diligência para a verificação da identidade do titular da conta.
A decisão também ressaltou que o banco não pode ser responsabilizado por transações que destoam do perfil do correntista, desde que o processo de abertura da conta tenha sido conduzido de maneira adequada, conforme as regulamentações do Banco Central. Ou seja, a responsabilidade do banco seria configurada apenas se fosse demonstrado que houve negligência no cumprimento das normas de segurança.
Importância da cautela na abertura de contas digitais
Embora a decisão tenha excluído a responsabilidade do banco, o caso serve como um alerta para a necessidade de maior cautela tanto por parte das instituições financeiras quanto dos consumidores. No contexto das contas digitais, que são abertas e gerenciadas exclusivamente pela internet, os bancos precisam garantir que todos os mecanismos de verificação de identidade e segurança estejam em vigor, evitando que contas sejam utilizadas de forma fraudulenta.
Por outro lado, os consumidores também devem estar mais atentos às ofertas que parecem boas demais para ser verdade, especialmente quando envolvem grandes quantias de dinheiro.
Desafio das contas digitais e a inclusão bancária
A questão central do julgamento é o equilíbrio entre a facilidade de acesso à conta digital e a segurança das transações. O Bacen, ao permitir a criação de contas mais simples e acessíveis, visa promover a inclusão financeira, permitindo que mais pessoas possam utilizar serviços bancários sem a necessidade de documentos complexos ou presença física. No entanto, isso também abre espaço para fraudes, que precisam ser combatidas por meio de medidas de segurança mais rigorosas.
Portanto, a decisão do STJ deixa claro que a responsabilidade dos bancos não é automática em casos de fraudes realizadas por meio de contas digitais, desde que a instituição tenha cumprido os requisitos regulatórios do Bacen. Contudo, isso não exime os bancos de continuar aprimorando seus sistemas de prevenção a golpes, e nem diminui a responsabilidade dos consumidores em se protegerem contra fraudes.
No entanto, a segurança no meio digital é uma questão que exige constante evolução, tanto por parte dos bancos quanto dos consumidores. O futuro das contas digitais, com seu grande potencial de inclusão financeira, dependerá de um equilíbrio entre a facilitação do acesso e a implementação de mecanismos de segurança robustos para evitar que as fraudes prevaleçam.