No último dia 4 de abril, a Superintendência-Geral do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) instaurou um inquérito para investigar um possível monopólio por parte da Apple no mercado de pagamento por aproximação, uma tecnologia essencial para transações financeiras rápidas e práticas.
A investigação foi motivada por alegações de práticas anticompetitivas que podem prejudicar concorrentes e consumidores no Brasil. Este tema traz à tona discussões sobre a concentração de poder nas mãos de grandes corporações e as implicações para a economia digital e para a liberdade de escolha dos consumidores.
O caso
A Apple, gigante americana conhecida pelo seu sistema iOS, é acusada de dificultar o acesso de terceiros à sua tecnologia NFC (Near Field Communication), essencial para pagamentos por aproximação.
A tecnologia NFC permite que dispositivos móveis realizem transações financeiras simples, sem a necessidade de inserir um cartão. Contudo, a Apple restringe o uso dessa tecnologia aos seus próprios serviços, especificamente ao Apple Pay, e não permite que outras empresas ou desenvolvedores de terceiros integrem seus serviços de pagamento diretamente nos iPhones.
Esse movimento gerou uma série de reclamações por parte de entidades do setor financeiro, como a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Zetta, que representam as fintechs. Essas organizações alegam que, ao impor essa restrição, a Apple está criando uma barreira para a concorrência, prejudicando os consumidores e tornando o mercado mais caro e menos acessível.
Papel do Cade
O Cade iniciou a investigação com base em um alerta gerado durante uma audiência pública em fevereiro de 2025, na qual o setor financeiro destacou que a Apple, ao limitar o uso do NFC, não apenas dificulta a implementação de novas soluções de pagamento, como o Pix por aproximação, mas também encarece os custos dessas transações.
Além disso, segundo os denunciantes, a Apple estaria abusando de sua posição dominante no mercado para eliminar rivais, o que contraria as normas de livre concorrência previstas na legislação brasileira.
Alegações de taxas elevadas e práticas restritivas
Outro ponto crucial da investigação é a taxa cobrada pela Apple em transações realizadas através do Apple Pay. A empresa cobra uma comissão que varia entre 0,12% e 0,17% por transação.
Essa cobrança é vista como um impeditivo para que fintechs menores ou novos concorrentes possam competir no mercado. As alegações indicam que essa taxa é excessiva e favorece o monopólio da Apple, já que muitas fintechs não possuem capacidade financeira para arcar com esses custos.
De acordo com as entidades do setor, a falta de concorrência faz com que o consumidor da Apple sofra diretamente, pois não pode utilizar alternativas de pagamento por aproximação, como o Pix.
A implementação do Pix por aproximação foi iniciada em fevereiro de 2025, e embora esse sistema já esteja disponível para os usuários de Android, os donos de iPhones ainda estão restritos ao Apple Pay.
Resposta da Apple
Em resposta às críticas, a Apple argumentou que sua política de restrição ao uso do NFC por terceiros visa garantir a segurança dos pagamentos e proteger os usuários de fraudes. A empresa afirma que, ao controlar a tecnologia NFC, é capaz de assegurar um ambiente mais seguro para suas transações financeiras.
Contudo, esse argumento não foi suficiente para evitar a investigação do Cade, que questiona se as práticas da Apple são realmente necessárias para garantir a segurança ou se estão sendo usadas de maneira a prejudicar a livre concorrência e o desenvolvimento do mercado.
Caso do Open Finance e o papel do Banco Central
Outro aspecto relevante da investigação envolve o fato de que o Banco Central (BC) determinou que, para que as carteiras digitais ofereçam o Pix por aproximação, elas precisam estar cadastradas no sistema Open Finance.
Esse sistema visa aumentar a transparência e a segurança das transações financeiras no Brasil, mas a Apple não faz parte do ecossistema Open Finance, o que a impede de integrar o Pix em seus dispositivos.
Enquanto isso, o Google, principal concorrente da Apple no mercado de sistemas operacionais para smartphones, adota uma abordagem diferente. No Android, os desenvolvedores têm a liberdade de integrar a tecnologia NFC em seus aplicativos, e o sistema é compatível com o Pix.
Isso coloca a Apple em uma posição de desvantagem competitiva, pois os usuários de dispositivos Android podem aproveitar uma gama maior de opções de pagamento, incluindo o Pix, enquanto os usuários de iPhone ficam limitados ao Apple Pay, que cobra taxas e não oferece as mesmas alternativas.
Possíveis mudanças
O episódio envolvendo a Apple e o possível monopólio no mercado de pagamentos por aproximação levanta uma questão importante sobre o poder das grandes empresas de tecnologia em moldar mercados e influenciar a concorrência.
Em agosto de 2024, a Apple anunciou que abriria sua tecnologia de pagamentos para desenvolvedores de terceiros em diversos países, incluindo o Brasil, após pressões regulatórias dos Estados Unidos e da União Europeia. No entanto, as entidades do setor financeiro ainda alegam que a Apple impôs requisitos técnicos que dificultam o acesso à tecnologia NFC.
Se o Cade concluir que a Apple está abusando de sua posição dominante, a empresa poderá ser obrigada a ajustar suas práticas no Brasil, o que pode incluir a eliminação de barreiras ao uso do NFC e a redução das taxas cobradas em transações realizadas via Apple Pay.
Isso representaria uma vitória para a concorrência no mercado de pagamentos por aproximação, beneficiando tanto os consumidores quanto as fintechs que buscam inovar nesse setor.
A resolução desse impasse pode estabelecer precedentes importantes para a regulação de outros mercados digitais, garantindo um ambiente mais competitivo e favorável à inovação.