Recentemente, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) foi acusada de realizar um ataque hacker contra autoridades paraguaias, com o objetivo de obter informações confidenciais que poderiam beneficiar o Brasil nas negociações sobre as tarifas de energia da Usina Hidrelétrica de Itaipu.
Este episódio, que envolveu tanto o governo de Jair Bolsonaro quanto o de Luiz Inácio Lula da Silva, gerou grande repercussão política e levantou sérias questões sobre os limites das ações de inteligência e espionagem no cenário internacional.
Contexto do ataque hacker
O principal objetivo do ataque hacker realizado pela ABIN foi obter informações estratégicas sobre as negociações das tarifas da Usina Hidrelétrica de Itaipu. A usina, localizada na fronteira entre Brasil e Paraguai, tem sua produção de energia compartilhada igualmente entre os dois países, e as tarifas de operação vêm sendo um ponto de disputa há décadas.
O governo brasileiro, especialmente durante o período de negociações em 2024, buscava obter uma vantagem nas conversas sobre a definição de novas tarifas, que seriam aplicadas a partir de 2027. Para isso, agentes da ABIN teriam invadido sistemas governamentais do Paraguai, com foco nas autoridades responsáveis pelas discussões sobre Itaipu.
Como foi realizado o ataque
A operação foi meticulosamente planejada. Utilizando o software Cobalt Strike, amplamente conhecido por sua eficácia em ataques cibernéticos, a ABIN teria invadido computadores e sistemas de órgãos governamentais paraguaios.
As investigações indicam que o ataque mirou principalmente o Congresso, o Senado, a Câmara dos Deputados e a Presidência da República do Paraguai, obtendo dados como senhas e outras informações sensíveis.
Curiosamente, a operação não ocorreu dentro do território brasileiro. Agentes da ABIN se deslocaram para países como Chile e Panamá para configurar servidores virtuais, de onde o ataque foi orquestrado. Essa estratégia foi adotada para dificultar a rastreabilidade das ações e minimizar a possibilidade de identificação da origem dos ataques.
Impacto nas negociações de Itaipu
As negociações sobre as tarifas de Itaipu foram um dos temas mais sensíveis entre Brasil e Paraguai nos últimos anos. Desde o Acordo de Itaipu, firmado em 1973, os dois países haviam dividido a produção de energia da usina de forma igualitária, mas o preço da tarifa de operação sempre foi um ponto de divergência.
O Brasil, que consome mais da metade da energia gerada, buscava uma tarifa mais favorável, enquanto o Paraguai buscava uma compensação financeira maior pela energia não consumida internamente.
Em 2024, um novo acordo foi firmado entre os dois países, com as tarifas variando entre US$ 10 e US$ 12 a partir de 2027. A reunião para selar esse acordo aconteceu em Assunção, com a presença de autoridades brasileiras e paraguaias, incluindo o presidente do Paraguai, Santiago Peña, e o ministro de Minas e Energia do Brasil, Alexandre Silveira.
Contudo, o Paraguai não estava ciente da operação de espionagem, o que levanta dúvidas sobre o impacto real da coleta de informações no andamento das negociações.
Embora o governo paraguaio não tenha percebido diretamente o ataque durante as negociações, é plausível que as informações obtidas por meio do hacker possam ter fornecido uma vantagem estratégica ao Brasil.
Se o ataque realmente ajudou a Brasil nas conversas, isso colocaria uma sombra sobre a legitimidade do acordo, uma vez que o processo poderia ter sido manipulado por meios ilegais.
Investigação e as consequências para a ABIN
O caso veio à tona durante investigações da Polícia Federal sobre o comportamento do ex-diretor da ABIN, Alexandre Ramagem. Embora a investigação original tenha se centrado em outras questões, como a conduta de Ramagem, durante o processo surgiram informações sobre a operação hacker.
Detalhes do depoimento de um agente da ABIN indicaram que o ataque hacker foi aprovado por Luiz Fernando Corrêa, atual diretor da agência, que assumiu o cargo sob o governo de Lula em 2023.
Corrêa, que tem um histórico significativo na Polícia Federal, teria se mostrado entusiasta da operação e até elogiado o sucesso da ação, destacando sua “ineditismo”. Isso levanta questões sobre os limites da atuação das agências de inteligência brasileiras e a falta de controle sobre suas ações, principalmente em momentos de tensão política.
O envolvimento de Luiz Fernando Corrêa no caso é particularmente controverso. Sua indicação por Lula para chefiar a ABIN foi um tema polêmico, já que ele foi apontado como um aliado do governo, o que gera dúvidas sobre a independência da agência.
A Polícia Federal, por sua vez, não apenas questionou sua indicação, mas também levantou suspeitas sobre sua aprovação para ações que podem ser consideradas ilegais ou imorais.
O que esperar?
As revelações sobre o ataque hacker têm o potencial de prejudicar gravemente as relações entre Brasil e Paraguai. Além do impacto nas negociações de Itaipu, o caso coloca em risco a confiança mútua entre os dois países, que já enfrentam tensões políticas e econômicas em outros setores.
As autoridades paraguaias podem buscar respostas diplomáticas e legais para lidar com a violação de sua soberania.
O episódio não apenas afeta a relação entre Brasil e Paraguai, mas também abre um precedente perigoso para o uso de espionagem como ferramenta de negociação internacional.