A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de decretar a prisão preventiva da deputada Carla Zambelli (PL-SP), representa um marco contundente na escalada de enfrentamentos entre parte do Poder Judiciário e políticos identificados com discursos de contestação institucional.
Condenada por falsidade ideológica e invasão de sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), Zambelli foi sentenciada a 10 anos de prisão, em regime fechado, além de multa de R$ 2 milhões por danos morais coletivos.
Com a confirmação da condenação e a subsequente fuga do país, Moraes entendeu que havia não apenas risco de evasão, mas também a persistência em práticas ilícitas, como ataques ao sistema democrático e às instituições do Estado brasileiro.
A medida atende a um pedido da Procuradoria-Geral da República e é acompanhada de um conjunto de determinações severas: bloqueio de passaporte, suspensão de salário e verbas parlamentares, nomeação da Defensoria Pública da União para sua defesa após a renúncia dos advogados e, principalmente, bloqueio de todos os canais digitais ligados à deputada, sua família e colaboradores próximos.
Bloqueio total nas redes e impacto digital
Uma das decisões mais abrangentes foi a determinação do bloqueio imediato de todas as contas em redes sociais associadas à deputada.
Plataformas como X (antigo Twitter), Facebook, Instagram, TikTok, Telegram, Gettr, YouTube e LinkedIn foram notificadas e obrigadas a retirar os perfis do ar em até duas horas, sob pena de multa diária de R$ 100 mil.
A abrangência incluiu não apenas os perfis oficiais de Zambelli, mas também os de sua mãe, Rita Zambelli, e de seu filho, João Helio Zambelli.
Segundo Moraes, essa medida é necessária para impedir a continuidade da disseminação de conteúdos que colocam em xeque a confiabilidade do processo eleitoral, atacam o Judiciário e promovem a instabilidade democrática.
O bloqueio digital se soma à imposição de multa de R$ 50 mil por dia, caso a parlamentar volte a publicar, de forma direta ou indireta, mensagens que reiterem as condutas já condenadas.
Conteúdo adulto em perfil e controvérsia
Um dos pontos mais inusitados da decisão judicial foi a inclusão de um perfil no X que publicou um vídeo com conteúdo sexual explícito, supostamente atribuído à cantora MC Mirella.
A conta em questão teria pertencido à deputada em anos anteriores, mas atualmente contém apenas essa publicação, o que gerou perplexidade quanto à relevância jurídica de sua citação.
O caso suscitou debates sobre o uso de elementos morais como agravantes em processos judiciais, bem como críticas à possível exposição pública desnecessária da parlamentar. Até o momento, o STF não comentou oficialmente o motivo da inclusão do perfil na decisão, mas o episódio reforçou a repercussão do caso na mídia e nas redes sociais.
Alvo da Interpol
Além das medidas judiciais internas, Moraes solicitou à Polícia Federal que acionasse a Interpol para emitir uma difusão vermelha contra Carla Zambelli, tornando-a alvo de busca internacional.
A difusão vermelha não é um mandado de prisão automático, mas serve como alerta global para que autoridades estrangeiras localizem e detenham a pessoa procurada, com vistas à extradição.
No caso de Zambelli, isso significa que, se for identificada em qualquer um dos 195 países-membros da organização, poderá ser presa provisoriamente. O STF já validou os requisitos formais e aguarda a aceitação por parte da Interpol.
A medida reforça o cerco legal e político ao redor da deputada, que cruzou a fronteira brasileira por terra, sem registro da Polícia Federal, seguindo para a Argentina e, posteriormente, para os Estados Unidos.
Zambelli se defende, mas perde apoio
Em declarações à imprensa e em vídeos publicados nas redes, Carla Zambelli tem tentado construir uma narrativa de resistência. Disse estar fora do país para buscar um “renascimento”, evitando adotar o discurso de perseguição política de forma direta, mas apontando para uma suposta ditadura jurídica no Brasil.
Em entrevista, afirmou que “quer voltar a ser a Carla de antes das amarras que essa ditadura nos impôs” e criticou o sistema eleitoral, classificando as urnas eletrônicas como não confiáveis.
A estratégia, no entanto, parece cada vez mais isolada. Seu advogado renunciou à defesa alegando “foro íntimo”, enquanto o STF nomeou a Defensoria Pública para representá-la.
O pedido de prisão foi tachado por Zambelli como inconstitucional, alegando que deputados só podem ser presos em flagrante e por crime inafiançável. No entanto, sua fuga e a reincidência em discursos ofensivos contra o Estado Democrático de Direito acabaram justificando, segundo o STF, a prisão preventiva.
Reflexos políticos e o debate sobre os limites do Judiciário
O caso Zambelli reacende o debate sobre os limites da atuação do STF em temas políticos. Para aliados da deputada, as decisões representam censura e autoritarismo judicial.
Para setores progressistas e defensores das instituições democráticas, a prisão é uma resposta proporcional a ações deliberadas que atentam contra a ordem constitucional e a estabilidade institucional.
Trata-se de um episódio paradigmático na relação entre os poderes no Brasil: de um lado, um Supremo que se firma como guardião da democracia e tenta conter atos considerados criminosos sob o manto da imunidade parlamentar; de outro, um ambiente político cada vez mais polarizado, onde discursos inflamados contra as instituições ganham repercussão, especialmente nas redes sociais.
A resposta da sociedade, do Parlamento e da própria comunidade internacional ao caso poderá influenciar decisivamente os rumos da política brasileira nos próximos anos. A depender dos desdobramentos, este não será apenas um caso judicial, será um símbolo do enfrentamento entre duas visões de país.