Morreu ontem (13), aos 89 anos, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai e um dos mais emblemáticos líderes da esquerda latino-americana.
Reconhecido internacionalmente por sua postura coerente com os ideais que defendia, Mujica viveu até o fim de forma austera, em sua pequena chácara nos arredores de Montevidéu.
A simplicidade era seu escudo e sua marca: abriu mão das regalias do poder, dirigia um velho fusca azul e doava a maior parte do salário presidencial.
Apesar do protagonismo político, passou os últimos anos imerso em reflexões sobre a existência, a finitude e o papel das novas gerações na construção de um mundo mais justo.
Pepe Mujica dizia que “Deus não existe”, mas esperava estar errado
Em uma de suas últimas entrevistas, concedida em dezembro de 2024 a CNN en Español, Mujica foi direto ao abordar um tema que muitos evitam: a morte. Para ele, o fim da vida era inevitável — parte de um ciclo natural, sem adornos espirituais.
Declarou que não acreditava em Deus. Em suas palavras, a vida era “a aventura das moléculas” e a Terra, ao mesmo tempo, “paraíso e inferno”. No entanto, com a sinceridade de quem já não tinha nada a provar, admitiu: “Tomara que eu esteja errado. Tomara que exista algo além.”
Essa contradição revelava não um conflito, mas uma esperança silenciosa de que a morte não fosse o ponto final absoluto para si e para a humanidade, a quem ele serviu até seu último momento.
Ainda assim, seu foco sempre esteve nos vivos. Reclamava que os jovens não valorizavam a energia e o tempo que possuem, mas confiava neles como portadores da mudança.
Sua despedida foi serena, com a certeza de que a vida vale a pena, mesmo sabendo que ela termina. Para Mujica, o amor era o verdadeiro motor da existência — aquilo que impulsiona a humanidade a seguir, mesmo diante da certeza da morte.
Mujica: o presidente mais pobre do mundo
Antes de se tornar presidente, Mujica foi guerrilheiro do movimento Tupamaros, tomou vários tiros, enfrentou a ditadura militar uruguaia e pagou caro por isso: passou 15 anos preso, mais da metade deles em condições desumanas na solitária. Sobreviveu à tortura, à solidão e ao esquecimento.
Em liberdade, trilhou um caminho político, primeiro como deputado, depois senador, e então presidente, de 2010 a 2015, sem jamais abandonar sua essência de homem do campo.
Pepe Mujica abriu mão do Palácio Presidencial e suas regalias e morava em seu sítio na periferia da capital uruguaia, comandando o país enquanto plantava e dirigia seu famoso fusca azul. Ele doava 90% do seu salário, mantendo apenas o mínimo para viver.
Por tudo isso, era chamado de o presidente mais pobre do mundo, algumas vezes por chacota, mas ele se orgulhava disso, pois era avesso a pompa e protocolos, e defendia que o verdadeiro poder é do povo.
Ainda assim, seu governo ficou marcado por avanços sociais profundos e uma postura ética rara. O Uruguai foi o primeiro país da América Latina a liberar a plantação, comercialização, uso e porte de maconha, tudo sobre o controle do estado, que é quem lucra.
Houveram políticas públicas voltadas para os mais pobres, idosos, jovens que necessitavam de educação, mulheres com o direito ao aborto seguro, dentre outras. Temas que fizeram Mujica ser reconhecido e recebido com pompa por Barack Obama, algo incomum para um país pequeno como Uruguai.
Pepe Mujica deixa o mundo com a mesma honestidade com que o enfrentou: sem esconder suas dúvidas, sem renegar seus erros, e sempre fiel à ideia de que a política deve servir à dignidade humana.