Nos últimos dias, uma fotografia viralizou nas redes sociais e gerou uma série de debates: nela, o Papa Leão XIV aparece em um evento no Brasil, em 2012, segurando uma cerveja.
O momento gerou surpresa e até mesmo polêmica entre alguns fiéis, especialmente porque muitos questionam se é adequado para um papa, ou qualquer membro da Igreja Católica, consumir bebidas alcoólicas.
Tradição cristã e o consumo de álcool
Para entender a posição da Igreja Católica sobre o consumo de bebidas alcoólicas, é fundamental considerar a doutrina e os ensinamentos que moldam a fé cristã. Segundo Raylson Araújo, especialista em Vaticano, a Igreja nunca proibiu formalmente o consumo de álcool.
Na tradição católica, o apóstolo Paulo, em um dos seus ensinamentos bíblicos, menciona a importância da moderação no consumo. Esse princípio de moderação é central para a visão católica: o problema não está no consumo em si, mas no excesso, que pode levar à embriaguez e à perda do controle.
A Igreja sempre enfatizou que a moderação é o caminho para um comportamento ético e responsável. Ao contrário de outras religiões que podem ter posturas mais rígidas sobre o álcool, a Igreja Católica reconhece que a bebida, consumida com parcimônia, não é pecado.
Inclusive, em várias ocasiões, o vinho foi utilizado em cerimônias litúrgicas, como a missa, onde o vinho consagrado simboliza o sangue de Cristo.
A bênção da cerveja e a tradição monástica
A relação da Igreja com a cerveja, especificamente, remonta à Idade Média. Alguns mosteiros medievais, compostos por monges que dedicavam suas vidas ao trabalho e à oração, também eram responsáveis por produzir bebidas alcoólicas, incluindo cerveja.
Esta prática tinha um significado cultural e religioso profundo: a produção de cerveja era uma das maneiras de sustentar o mosteiro e suas atividades. Os monges eram altamente eruditos e, além de se dedicarem às orações, copistas e à produção de textos religiosos, muitos se dedicavam à fabricação de produtos, como bolos, doces e, claro, a cerveja.
Em muitos casos, os mosteiros católicos eram considerados como centros de produção agrícola e artesanal. O mosteiro de São Bento em São Paulo, por exemplo, mantém uma tradição de produção de doces, assim como os mosteiros medievais na Europa.
A produção de cerveja por monges também se dava em um contexto de preservação do saber e da cultura monástica. Raylson Araújo menciona Hildegarda de Bingen, uma monja mística alemã do século XII, frequentemente associada à invenção da cerveja, ressaltando que a tradição da Igreja com a bebida alcoólica é milenar.
O caso do Papa Leão XIV
Voltando à fotografia de 2012, onde o Papa Leão XIV é visto com uma cerveja na mão, o episódio levanta questões sobre a imagem e o comportamento dos papas. Apesar de alguns protestos, não há nada de errado em um papa ser visto consumindo álcool, desde que haja moderação.

O especialista Raylson Araújo argumenta que essa imagem é condizente com a interpretação tradicional da Igreja Católica sobre o consumo de bebidas alcoólicas. Não existe uma norma que proíba um papa ou qualquer outro membro da Igreja de beber com moderação.
O papa Leão XIV, em particular, é oriundo de uma tradição latina, e, como muitos líderes eclesiásticos da América Latina, ele tem uma postura mais próxima das tradições culturais locais, nas quais a interação com o povo e a convivência social são comuns.
Nos países da América Latina, a Igreja Católica é bem mais flexível em relação a comportamentos sociais, como participar de festas e confraternizações com a população, sem separar fisicamente o clero dos fiéis, como acontece em algumas outras partes do mundo.
Caso de Bento XVI
Outro papa que também foi fotografado com uma bebida alcoólica foi Bento XVI. Em 2017, o papa emérito celebrou seu 90º aniversário com amigos e autoridades, incluindo o primeiro-ministro da Baviera, Horst Seehofer.

Durante a comemoração, Bento XVI foi visto bebendo uma cerveja com seus convidados no Jardim do Vaticano. Esse momento foi emblemático, não só pela simplicidade da celebração, mas também pela imagem de um papa que, apesar de sua posição espiritual elevada, também é humano e parte de uma tradição católica que não vê problema no consumo moderado de álcool.
Visão moralista no Brasil
No Brasil, no entanto, o consumo de álcool por membros da Igreja, especialmente por líderes como o Papa, é um tema que gera polêmica. O país, com sua forte influência evangélica e o tradicional “olhar moralista” em relação a certos comportamentos, muitas vezes vê com desconfiança a liberdade com que certos membros da Igreja Católica convivem com a sociedade.
Araújo destaca que essa visão moralista é muito mais forte no Brasil do que em outros países da América Latina, onde a separação entre clero e povo não é tão pronunciada. Em muitos lugares, bispos e padres participam de eventos populares, cantam, dançam e até tocam violão, sem o estigma de distanciamento que é comum em outras culturas.
A Igreja, com sua longa tradição de sabedoria e orientação moral, entende que o consumo moderado de álcool pode ser uma parte saudável da vida humana, desde que seja feito com responsabilidade e respeito aos limites.