Nos últimos tempos, um fenômeno alarmante tem chamado a atenção da comunidade científica e da sociedade em geral: o ressurgimento de ideias eugenistas. Essas ideias, que remonta ao final do século XIX, propondo uma “melhoria genética” da população humana, estão ganhando espaço novamente, colocando em risco os avanços conquistados em diversas áreas, como a genética, a medicina e os direitos humanos.
Genevieve L. Wojcik, professora de epidemiologia da Universidade Johns Hopkins, alerta para esse movimento perigoso em um artigo publicado na Nature, onde defende que a comunidade científica precisa se mobilizar para barrar essas ideias pseudocientíficas que tentam justificar a desigualdade racial e o supremacismo.
O que é o Movimento Eugenista?
O movimento eugenista nasceu no final do século XIX, inicialmente com boas intenções de aprimorar a saúde pública e eliminar doenças hereditárias. No entanto, suas implicações ideológicas logo se distorceram, propondo que algumas pessoas, baseadas em características genéticas, deveriam ser incentivadas a reproduzir, enquanto outras, consideradas “inferiores”, deveriam ser impedidas de gerar filhos.
Esse conceito foi levado ao extremo durante o regime nazista, resultando em práticas de esterilização forçada, eugenia social e, eventualmente, genocídio. Mesmo após a Segunda Guerra Mundial, as ideias eugenistas continuaram a influenciar políticas públicas em várias partes do mundo.
Crise atual
De acordo com Wojcik, o ressurgimento dessas ideias eugenistas é uma das ameaças mais sérias que enfrentamos atualmente. Ela observa que, embora a ciência moderna tenha demonstrado repetidamente a falácia da ideia de “raças” biológicas, os conceitos pseudocientíficos que sustentam o supremacismo racial estão novamente sendo aceitos em algumas esferas políticas e científicas.
A cada dia, surge um número crescente de vozes que afirmam que certas populações são geneticamente superiores a outras, e que a biologia pode ser usada para justificar o racismo.
A perigosa ideologia de Donald Trump e seus seguidores
Um exemplo alarmante desse retorno às ideias eugenistas é o discurso do ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, em algumas de suas declarações, afirmou que “há muitos genes ruins em nosso país no momento”, referindo-se aos imigrantes.
Trump também defendeu políticas para incentivar a reprodução de mulheres brancas, um eco direto das ideias eugenistas do século passado, onde se defendia a promoção de certos grupos em detrimento de outros.
Essas ideias, que foram fundamentais para políticas de imigração restritivas, como o Johnson-Reed Act de 1924, que limitava a entrada de grupos étnicos considerados “menos desejáveis”, estão ressurgindo de forma alarmante.
Para piorar, políticas como a esterilização forçada de indivíduos considerados “não aptos”, que até 1979 continuou em alguns estados dos EUA, têm sido reavivadas por grupos que acreditam que o controle da população deveria ser determinado por critérios raciais e genéticos.
O mito das “Raças” e as implicações para a saúde pública
Um dos maiores perigos do ressurgimento das ideias eugenistas é a perpetuação de um conceito falacioso: a ideia de que as diferenças raciais são biológicas e que essas “raças” podem ser tratadas como categorias genéticas definidas.
Wojcik utiliza um exemplo claro para ilustrar como essa visão pode prejudicar a ciência e a saúde pública: a hemoglobinopatia, uma doença genética que afeta a produção de hemoglobina, pode ter prevalência substancialmente diferente dependendo da região geográfica de uma pessoa, não de sua “raça”.
Por exemplo, a talassemia beta é muito mais comum na Índia, com prevalência superior a 8%, enquanto na China a taxa não ultrapassa 2,7%. A ideia de tratar todos os indivíduos com características fenotípicas semelhantes como parte de um único grupo racial, como “asiáticos”, por exemplo, ignora essas variações biológicas, prejudicando a pesquisa científica e, consequentemente, o diagnóstico e tratamento de doenças.
Em termos biológicos, não existem raças definidas, mas sim uma infinidade de variações genéticas e fenotípicas entre os seres humanos. Estudos genéticos demonstram que dois genomas humanos são, em média, 99% idênticos, e que as diferenças entre as chamadas “raças” são muito mais superficiais do que se imagina.
A ciência moderna aponta que as características físicas, como a cor da pele, dos olhos ou dos cabelos, não são determinantes para a biologia fundamental do ser humano. Isso, no entanto, é um conceito que muitos continuam a ignorar ou, pior ainda, manipulam para justificar discriminação.
O papel da comunidade científica na luta contra a Eugenia
Wojcik faz um apelo urgente à comunidade científica para que se una contra o retorno das ideias eugenistas. Ela argumenta que os cientistas devem adotar uma postura ativa no combate a essas ideias, já que elas têm o potencial de criar divisões sociais ainda mais profundas, alimentar o racismo e atrasar os avanços na compreensão da genética humana.
O desafio é grande, pois essas ideologias não são apenas um retrocesso científico, mas também uma ameaça ao progresso social. Ao promover políticas públicas baseadas em noções errôneas sobre biologia e genética, pode-se reviver um ciclo de discriminação racial e genocídio que muitos julgavam já ter sido superado.