As mudanças climáticas são um dos maiores desafios da atualidade, e os cientistas buscam constantemente maneiras de entender melhor os seus efeitos e como mitigar os danos ao nosso planeta.
Um dos aliados mais valiosos nesse esforço pode ser uma árvore muito especial: a Gran Abuelo, uma conífera chilena com mais de 5.400 anos. Esta árvore não é apenas uma das mais antigas do mundo, mas também serve como uma verdadeira “enciclopédia climática”, contendo em seus anéis de crescimento segredos sobre o clima terrestre que remontam a milênios.
No entanto, um projeto de rodovia em uma área protegida ameaça destruir não só a Gran Abuelo, mas toda uma floresta que pode ser a chave para combater as mudanças climáticas.
A história da Gran Abuelo
A Gran Abuelo, ou “Bisavô”, como é chamada em português, está localizada na floresta temperada do sul do Chile, mais especificamente no Parque Nacional Alerce Costero.
Esta árvore imponente, que faz parte da espécie Alerce (ou cipreste da Patagônia), é um símbolo de resistência, tendo sobrevivido por mais de 5 mil anos. A sua existência remonta a períodos em que impérios surgiam e caíam, e até as línguas antigas eram faladas e esquecidas.
Em 1972, o avô do cientista chileno Jonathan Barichivich, que cresceu na região, fez uma descoberta que mudaria o curso da história: ele localizou a Gran Abuelo, e a partir desse momento, essa árvore se tornou o foco de pesquisas científicas voltadas para o estudo das mudanças climáticas.
Importância científica da Gran Abuelo
As árvores de Alerce têm um ciclo de vida impressionantemente longo, sendo capazes de viver milhares de anos, o que as torna um valioso recurso para os cientistas que tentam entender as variações climáticas ao longo da história.
Elas são muito sensíveis às mudanças climáticas e, através dos seus anéis de crescimento, é possível reconstruir padrões climáticos de centenas ou até milhares de anos atrás.
A reconstrução climática a partir desses anéis permite entender como as temperaturas e os padrões de precipitação evoluíram ao longo do tempo. Cada anel de crescimento corresponde a um ano de vida da árvore, e a espessura desses anéis reflete as condições climáticas do ano.
Quando o clima é mais quente e úmido, a árvore cresce mais rapidamente, resultando em anéis mais largos. Em tempos de seca ou frio, o crescimento diminui, e os anéis se tornam mais finos.
Rocío Urrutia, cientista chilena que estuda a espécie há décadas, explica que essas árvores são como “enciclopédias”, guardando registros do clima terrestre. Através delas, os pesquisadores podem analisar como o clima da Terra mudou ao longo de milênios, ajudando a entender melhor os efeitos das mudanças climáticas e a prever o que pode acontecer no futuro.
Além disso, o estudo dessas árvores também fornece dados cruciais sobre o sequestro de carbono, ou seja, a capacidade das florestas de absorverem dióxido de carbono da atmosfera.
As árvores mais antigas, como a Gran Abuelo, capturam grandes quantidades de carbono, desempenhando um papel essencial na regulação do clima. Porém, a destruição dessas florestas pode ter um impacto devastador no equilíbrio climático global.
Ameaça da rodovia
Apesar de sua importância, a Gran Abuelo e as outras árvores centenárias da região estão ameaçadas por um projeto de construção de uma rodovia que atravessaria o Parque Nacional Alerce Costero.
A proposta é reabrir uma antiga estrada madeireira, com o objetivo de conectar cidades e impulsionar o turismo na região. Contudo, muitos críticos apontam que a verdadeira razão para o projeto é permitir o transporte de recursos naturais, como a madeira de alerce e até o lítio da Argentina, que seria exportado por via terrestre até o Chile.
Esse projeto geraria sérios danos ambientais. A rodovia cortaria diretamente a floresta protegida, destruindo o habitat de centenas de árvores de Alerce e de diversas espécies nativas.
Além disso, a construção de estradas em regiões florestais aumenta significativamente o risco de incêndios florestais. Em muitas partes do mundo, como na Amazônia e nos Estados Unidos, as queimadas frequentemente têm início próximo a estradas, e as árvores de alerce, por serem altamente inflamáveis, estão particularmente vulneráveis.
O Movimento pela Defesa do Alerce Costero, em colaboração com pesquisadores locais, argumenta que o impacto ambiental seria devastador. A construção da rodovia significaria a morte imediata de cerca de 850 árvores de alerce, além de prejudicar o habitat de mais de 4.300 outras árvores dessa espécie, colocando em risco sua sobrevivência.
Resistência e mobilização científica
Em resposta à ameaça, cientistas como Jonathan Barichivich e Rocío Urrutia têm se mobilizado para alertar o mundo sobre os perigos que esse projeto representa. Através de pesquisas e publicações científicas, como a carta publicada na revista Science, eles conseguiram chamar a atenção da comunidade internacional e pressionar o governo chileno a reconsiderar a construção da rodovia.
A mobilização científica, combinada com o apoio de moradores locais, tem exercido pressão suficiente para que o governo recuasse temporariamente, suspendendo o projeto. Para Barichivich, essa luta é algo muito pessoal, pois ele cresceu nesta floresta e viu em primeira mão o impacto que a destruição desse ecossistema poderia ter.
Futuro da Gran Abuelo e das florestas de Alerce
A luta pela preservação da Gran Abuelo e da floresta de Alerce é mais do que uma questão local ou nacional: ela é um reflexo da urgência de proteger os nossos ecossistemas mais valiosos contra as ameaças que o aquecimento global e o avanço da exploração industrial representam.
As árvores de alerce não são apenas relicários de nosso passado climático, mas também ferramentas cruciais para ajudar a entender as mudanças que enfrentamos atualmente e a desenvolver estratégias para combatê-las.
A preservação dessas árvores milenares é, portanto, uma questão que envolve não apenas ecologia e ciência, mas também ética ambiental. Elas têm um papel fundamental na regulação do clima global e, ao proteger essas árvores, estamos não apenas preservando um pedaço da história, mas também investindo no futuro da Terra e nas gerações que virão.