O Supremo Tribunal Federal (STF) recentemente declarou inconstitucionais três leis municipais que proibiam o uso da linguagem neutra nas escolas e na administração pública.
Essas normas haviam sido estabelecidas pelas prefeituras de Porto Alegre (RS), São Gonçalo (RJ) e Muriaé (MG), e impunham restrições severas à utilização de variações linguísticas que buscavam ser mais inclusivas, principalmente no que tange à população LGBTQIAPN+.
A decisão do STF, que foi amplamente comemorada por grupos de defesa dos direitos humanos, abre um novo capítulo no debate sobre linguagem, identidade e direitos civis no Brasil.
Supremo Tribunal Federal e a competência legislativa
A questão central que motivou a análise do STF foi a competência para legislar sobre a língua portuguesa e os conteúdos escolares. Em seu voto, o ministro André Mendonça destacou que os estados e municípios não têm autonomia para legislar sobre esses temas, que são prerrogativas exclusivas da União.
Para o STF, as leis municipais em questão extrapolavam as competências locais, ao tentar regulamentar não apenas o uso da língua, mas também o conteúdo e a forma de ensino nas escolas públicas.
Além disso, o STF reafirma um entendimento já consolidado em decisões anteriores, que considera inconstitucionais as tentativas de imposição ou proibição do uso da linguagem neutra nas instituições de ensino.
As leis proibindo a linguagem neutra
As leis derrubadas pelo STF tinham como objetivo limitar o uso da linguagem neutra em ambientes públicos e educacionais. Elas proibiam explicitamente o uso de formas linguísticas não reconhecidas pelas reformas ortográficas da língua portuguesa, especialmente aquelas criadas para incluir pessoas de identidades de gênero não binárias.
Em São Gonçalo, por exemplo, a legislação chegou a se referir à linguagem neutra como um “dialeto não binário”, algo que revela a visão profundamente conservadora que permeava as normas.
Além disso, algumas dessas leis previam punições para servidores que utilizassem a linguagem neutra, o que gerava um ambiente de medo e censura dentro das instituições públicas.
Essa abordagem, além de desrespeitar a diversidade de gênero, acabava por violar a liberdade de expressão de educadores e servidores públicos, ao mesmo tempo em que limitava o acesso de estudantes a um ambiente plural e respeitoso.
Voto divergente de ministros
Embora a maioria dos ministros tenha acompanhado o relator, há de se destacar as divergências apresentadas pelos ministros Cristiano Zanin e Kássio Nunes Marques.
O ministro Zanin sugeriu que trechos das leis que tratavam do ensino da norma culta da língua fossem mantidos, mas propôs que fossem excluídos os artigos que diziam respeito à fiscalização de conteúdos considerados “destoantes”.
Essa divergência no STF aponta para a complexidade do tema e a necessidade de um debate mais aprofundado sobre o papel da língua na sociedade. A norma culta deve ser preservada no ensino, mas isso não pode ser feito em detrimento de formas linguísticas que buscam incluir e respeitar todas as identidades de gênero.
Impacto social e a luta pelos direitos LGBTQIAPN+
A decisão do STF é particularmente significativa para a comunidade LGBTQIAPN+. As leis que foram derrubadas não apenas limitavam a liberdade de expressão, mas também foram vistas como um ataque direto aos direitos da população não binária e transgênero, que, por meio da linguagem neutra, busca afirmar sua identidade de maneira legítima e reconhecida.
Organizações da sociedade civil, como a Aliança Nacional LGBTI+ e a Associação Brasileira de Famílias Homotransafetivas, foram protagonistas nas ações que contestaram as leis municipais.
Para essas entidades, a vitória no STF representa um avanço na luta contra o conservadorismo e a discriminação. Além disso, as normas que proibiam a linguagem neutra eram vistas como parte de um movimento mais amplo contra os direitos civis da comunidade LGBTQIAPN+, uma ofensiva que buscava silenciar as vozes que clamam por visibilidade e respeito.
O STF reafirma a sua posição de proteção à liberdade de expressão e ao direito à inclusão, ao mesmo tempo em que reforça a necessidade de um debate contínuo sobre o papel da língua na construção de uma sociedade mais justa e plural.
A educação, como um espaço de formação, tem o poder de moldar as futuras gerações e deve ser um campo de respeito e valorização das identidades, sem imposições que busquem silenciar a diversidade.