Recentemente, em uma audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, juristas, especialistas e parlamentares debateram a proposta de adoção do modelo de “renda familiar” no cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF).
A ideia central dessa proposta é ajustar a tributação de acordo com a capacidade contributiva real das famílias, levando em consideração a soma da renda de todos os membros e fatores como dependentes, filhos, idosos e pessoas com deficiência.
Modelo de Renda Familiar
O conceito de “splitting familiar” – ou divisão familiar – propõe que o cálculo do IR seja baseado na renda total da unidade familiar, e não apenas na de cada indivíduo isoladamente.
A proposta busca corrigir distorções no sistema atual, onde famílias com o mesmo nível de renda podem ser tributadas de maneira desigual devido às diferentes responsabilidades familiares. Em outras palavras, uma família que sustenta filhos ou idosos deveria pagar menos impostos do que uma pessoa solteira com a mesma renda.
Essa abordagem se inspira em modelos internacionais, como o “quotient familial” da França, que ajusta a alíquota do imposto com base na quantidade e nas necessidades dos dependentes, incluindo situações especiais como filhos com deficiência. O objetivo é criar um sistema mais justo, que leve em conta as despesas reais de cada família e sua capacidade contributiva.
Equidade tributária
Um dos pilares fundamentais da proposta é o conceito de justiça tributária, que busca tratar os contribuintes de forma proporcional às suas reais condições econômicas.
Durante a audiência pública, o mestre em Direito Tributário Tarso Cesar de Miranda Souza ressaltou que a atual tributação desconsidera a realidade de quem sustenta dependentes. Por exemplo, duas pessoas que ganham o mesmo salário de R$ 10 mil podem ter realidades muito distintas: uma pode viver sozinha, enquanto a outra pode sustentar um cônjuge, filhos e até pais idosos.
A proposta visa uma avaliação mais precisa da capacidade contributiva, permitindo que famílias maiores, que enfrentam mais custos, paguem impostos proporcionalmente menores, enquanto famílias sem dependentes ou com menores responsabilidades financeiras contribuam mais.
A ideia é equilibrar as necessidades de arrecadação do Estado com a justiça no trato das obrigações tributárias.
Experiência internacional: Modelos Exitosos
A discussão sobre o splitting familiar também trouxe exemplos de sistemas fiscais em outros países. O modelo francês, adotado pelo “quotient familial”, foi destacado como uma alternativa eficaz.
Nesse modelo, a alíquota do Imposto de Renda varia conforme a composição familiar, incluindo o número de filhos, a presença de dependentes com necessidades especiais e outras variáveis.
Segundo Rodolfo Canônico, diretor da ONG Family Talks, o Brasil já adota deduções para saúde e educação, reconhecendo parcialmente as desigualdades familiares, mas a adoção do modelo francês representaria um avanço significativo.
Além disso, o modelo francês ajusta a tributação de acordo com a condição dos dependentes, o que significa que famílias com filhos com deficiência, por exemplo, têm um alívio tributário maior, refletindo as despesas extras que essas famílias enfrentam.
Proteção à família: A Perspectiva Constitucional
Outro ponto importante abordado foi a proteção à família, um princípio constitucional garantido pelo artigo 226 da Constituição Federal, que estabelece que a família é a base da sociedade e merece proteção do Estado.
A deputada Chris Tonietto (PL-RJ), uma das responsáveis pela audiência, destacou a urgência de uma reforma no sistema tributário para que ele seja mais sensível às realidades econômicas das famílias brasileiras.
A parlamentar argumentou que o modelo atual de Imposto de Renda prejudica as famílias mais vulneráveis, que enfrentam desafios financeiros maiores devido à manutenção de dependentes. A adoção do splitting familiar estaria em sintonia com o objetivo de garantir a proteção da família, conforme estabelecido na Constituição.
Críticas ao modelo atual e necessidade de reformulação
O professor Heleno Torres, especialista em Direito Tributário da USP, também criticou as limitações do sistema de deduções atualmente em vigor no Brasil.
Para ele, as deduções existentes, como as voltadas para despesas com saúde e educação, são insuficientes para lidar com as diversidades das estruturas familiares no país. Famílias com filhos, idosos ou membros com deficiência enfrentam custos muito elevados, e o sistema tributário atual não reflete essas realidades.
Torres propôs que o sistema tributário brasileiro adote uma abordagem progressiva, onde a renda familiar seja considerada de forma conjunta e as deduções sejam ajustadas com base no perfil de cada núcleo familiar.
Assim, as famílias com maior poder aquisitivo poderiam contribuir com uma carga tributária mais alta, enquanto as famílias com mais responsabilidades sociais pagariam impostos mais baixos.
Desafios para a implementação
Apesar do consenso entre os especialistas quanto à necessidade de uma reformulação do sistema, a proposta de renda familiar ainda enfrenta vários desafios.
A implementação de um novo modelo exigiria ajustes técnicos significativos, como a integração de dados familiares e a definição de critérios claros para a aplicação do splitting familiar. Além disso, o sistema precisaria garantir que não houvesse perda de arrecadação no curto prazo, o que poderia impactar as finanças públicas.
A criação de um projeto de lei que estabeleça as novas regras será o próximo passo para a efetivação da proposta. Embora a mudança seja vista como uma necessidade para alcançar maior justiça fiscal, é preciso que haja um amplo debate sobre os detalhes técnicos e as possíveis implicações para o orçamento do Estado.