A ciência frequentemente se depara com descobertas que desafiam nosso entendimento sobre o passado e nos levam a reescrever a história da humanidade. Um desses casos intrigantes ocorreu em Taiwan, onde, em 2010, um paleontólogo local se deparou com um fóssil enigmático: uma mandíbula que parecia pertencer a um gorila.
No entanto, depois de 15 anos de investigações e teorias, esse mistério foi finalmente resolvido, revelando que o osso pertencera a um denisovano, uma espécie extinta de hominídeo que viveu há cerca de 160 mil anos.
Mandíbula de Penghu 1
Em 2010, um pescador de Taiwan encontrou a mandíbula em uma região costeira, no fundo do mar. Inicialmente, a peça parecia ser de um gorila devido ao seu formato, mas ao examiná-la mais de perto, um paleontólogo de Taiwan, Chun-Hsiang Chang, notou que não correspondia exatamente à anatomia dos gorilas.
O formato do osso, que não era em “U” como a de um gorila, mas sim projetado para fora, como as mandíbulas humanas, chamou sua atenção. No entanto, não era exatamente a mandíbula de um Homo sapiens, já que carecia de um queixo proeminente típico dos seres humanos modernos.
Chang sentiu que a mandíbula poderia ser de uma espécie humana ancestral, mas não de um Homo sapiens. Ele então buscou apoio de cientistas especializados e, ao longo dos anos seguintes, a análise da peça foi conduzida de maneira colaborativa.
Desafio de determinar a idade do fóssil
Uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores foi determinar a idade do fóssil e sua origem exata. Sabia-se que a mandíbula havia sido encontrada no fundo do mar, mas a localização precisa e a época em que o osso foi depositado ainda eram um enigma.
Para resolver isso, os cientistas usaram métodos de análise química do osso. Surpreendentemente, as características químicas do osso indicaram semelhanças com fósseis de hiena asiática que datam de cerca de 400 mil anos, o que sugeria que o homem de Penghu 1 pode ter vivido em um período remoto, quando Taiwan estava separado do continente, mas durante um período em que o nível do mar havia caído, formando pontes de terra.
Hipótese inicial
Logo após a descoberta, os cientistas levantaram a hipótese de que a mandíbula poderia ser de um denisovano. Essa espécie, até então, era conhecida principalmente através de fósseis encontrados na caverna Denisova, na Sibéria, e em regiões do Tibete.
Em 2010, quando os primeiros restos de denisovanos foram descobertos, a ideia de que a mandíbula de Taiwan poderia pertencer a um parente dos neandertais foi considerada plausível, especialmente devido a semelhanças nos dentes da mandíbula de Penghu 1 com os encontrados na caverna Denisova.
No entanto, apesar das semelhanças, a falta de um DNA sequenciado dificultou a confirmação definitiva da origem do fóssil.
Avanço nas pesquisas
Após anos de estagnação nas pesquisas, a solução veio por meio da análise de proteínas antigas, uma área emergente na paleontologia. O cientista Frido Welker, em 2019, teve sucesso em extrair fragmentos de colágeno de um fóssil de denisovano encontrado no Tibete, datando de 160 mil anos.
Essa descoberta abriu caminho para um novo campo de investigação. Welker, então, decidiu buscar fósseis com características semelhantes à mandíbula de Penghu 1, levando-o a entrar em contato com Chang e analisar o fóssil mais a fundo.
Em 2023, o fóssil foi enviado para Copenhague, na Dinamarca, onde foi submetido a uma nova série de testes. Dessa vez, a análise de proteínas revelou a presença de colágeno compatível com o de outros fósseis de denisovanos, confirmando a identidade da mandíbula.
Confirmação e a expansão do mapa dos Denisovanos
A descoberta foi publicada na revista Science e trouxe à tona uma nova perspectiva sobre a presença dos denisovanos na Ásia. Até então, pensava-se que eles habitavam apenas a Sibéria e o Tibete.
Com a confirmação de que o fóssil encontrado em Taiwan também pertence a um denisovano, o mapa de distribuição dessa antiga espécie foi expandido, sugerindo que os denisovanos estavam mais amplamente distribuídos pelo continente asiático do que se imaginava.
Além disso, a análise das proteínas do esmalte dentário revelou que o fóssil de Penghu 1 pertencia a um homem adulto. Um detalhe curioso foi a identificação da versão masculina do gene do esmalte, localizada no cromossomo Y, o que forneceu uma confirmação adicional de que o fóssil era de um homem.
Impacto da descoberta para a ciência
A descoberta da mandíbula de Penghu 1 não apenas resolve um mistério de 15 anos, mas também expande significativamente nosso entendimento sobre os denisovanos e suas migrações.
Ela também levanta novas questões sobre a possível presença de outros fósseis dessa espécie em outras regiões do sudeste asiático, bem como em coleções de museus ao redor do mundo, que podem estar guardando peças valiosas de nossa pré-história.
Em um sentido mais amplo, a pesquisa sobre os denisovanos ajuda a pintar um quadro mais complexo da evolução humana, revelando que os ancestrais dos seres humanos modernos compartilharam o planeta com diversas outras espécies de hominídeos, como os neandertais e os denisovanos, que possuíam características físicas e comportamentais distintas.
Taiwan agora entra para a história como um ponto importante no mapa da evolução humana, e novas pesquisas prometem revelar ainda mais sobre a fascinante jornada dos denisovanos no planeta Terra.