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O Brasil da diversidade na Casa da Ópera de Manoel Luiz

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Durante mais de 20 anos, fantasmas de personagens reais da história brasileira do período setecentista atordoaram o roteirista e escritor de cinema, teatro, televisão e mídias digitais, o carioca Celso Taddei. Depois de quase virar peça de teatro e filme, a trama de “A casa da ópera de Manoel Luiz” finalmente se materializa em seu romance de estreia pela Editora Mondru, com lançamento marcado para 14 de novembro no Solar de Botafogo. Uma viagem divertida, irreverente e inusitada pelo universo do teatro brasileiro nos séculos dezoito e dezenove, que mistura ficção e realidade com um toque de surrealismo.

A narrativa acompanha a saga de Manoel Luiz, um barbeiro português recém-chegado ao país que sonha em viver da arte. Ambientado no Rio de Janeiro durante a época dos Vice-Reis e após a chegada da Família Real, o livro apresenta um cenário cultural vibrante e repleto de desafios, revelando como o Brasil Colônia, escravocrata, machista e preconceituoso permanece latente ainda hoje. A arte, por sua vez, segue como palco fecundo para o exercício da diversidade, da livre expressão e da genialidade do povo brasileiro.

Pam… Pampampam…

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A entrevista exclusiva vai começar.

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– Como e/ou quando você percebeu que a sua história que ‘não era teatro, não era cinema’ era um livro?

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Celso Taddei – Eu percebi que essa história não era teatro, não era cinema e era um livro, quando, depois de escrever a peça e escrever o roteiro, ela ainda continuava comigo por diversos motivos. Alguns eu conto no livro. Mas nem a peça e nem o filme foram realizados, apesar da vontade de muitas pessoas em produzi-los. Assim, percebi que todo esse processo também era algo a ser contado, além da gama de personagens e de casos que havia pesquisado e de outros novos que Manoel Luiz foi me soprando (risos). Eu tinha um monte de histórias para contar, e qual lugar seria melhor que um livro, onde teria conforto e, vamos dizer, mais tranquilidade para escrever, sem a concisão que requer um roteiro ou uma peça de teatro? Me deu muita alegria escrever esse livro, ao constatar que a história estava fluindo de uma maneira divertida para mim e contemplando tudo que queria dizer.

– Essa é, no frigir dos ovos, uma história de humor amor pelo teatro. De onde vem sua identificação com a comédia?

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– Exatamente. Humor amor pelo teatro. Minha identificação com a comédia vem de quando eu ainda era muito pequeno. Gostava sempre muito de rir, dos filmes de comédia que assistia, das piadas. As histórias em quadrinhos sempre me fizeram vibrar muito. Desde Monty Python, que assisti no teatro, o Pernalonga, o Pica-pau, Os Trapalhões, meu Deus, eu amava demais Os Trapalhões, comecei a me perceber um contador de piada. Eu gostava de fazer as pessoas rirem, e isso foi quase natural em mim, estimulado por uma certa facilidade, por um jeito palhaço de ser.

– O resgate do fantasma de Manoel Luiz chega em um momento histórico em que muito se fala sobre ancestralidade. Que contribuição essa memória traz para a arte contemporânea? Ou o que temos a aprender com a Casa da Ópera?

– Eu acho esse resgate a coisa mais importante mesmo, porque é exatamente sobre a nossa ancestralidade. A contribuição é imensa não só para nós, brasileiros, para o Rio de Janeiro, mas para a nossa história. Afinal de contas, os personagens são, de verdade, nossos bisavós, nossos tataravós e não foram lembrados como deveriam. A Lapinha foi homenageada por uma escola de samba. Seu nome está em livros, mas ainda é pouco. O Padre José Maurício também tem gravações, é repertório de concertos, mas também é pouco. Manoel Luiz, João dos Reis, Leandro Joaquim, grande pintor – tem quadro dele no Museu Nacional -, mas também quase não se fala deles. Eles são a nossa raiz. Saber dessa gente que formou as nossas bases e que apontou caminhos é muito importante. Essas pessoas nos impulsionam para frente, para a gente fazer mais ainda do que puderam e fazer melhor, mas sempre com esse suporte espiritual. Conhecer nossa ancestralidade é fundamental, para que a gente alce voos mais altos, mais belos. De alguma maneira, a nossa árvore genealógica artística espiritual nos sustenta. Assim, esse livro, por trás de toda piada, de todos os causos, traz um respeito e um agradecimento profundos por essas criaturas que batalharam bastante e abriram caminhos. Perceber isso é honrá-los. Nós, brasileiros e brasileiras, somos incríveis. Nós viemos de longe e em condições ainda mais difíceis do que as que a gente tem hoje. Claro, que ainda não são favoráveis para os artistas, mas, naquela época, era um Brasil escravagista, super machista. Mulheres pretas, brancas também e homens pretos fizeram coisas incríveis naquela Casa da Ópera. Eram criaturas criativas, resilientes, generosas que fizeram seus nomes. Isso é para se aplaudir de pé. É mais uma forma da gente se perceber para muito além do brasileiro sofrido. Tivemos e temos brasileiros incríveis como esses personagens reais. Eu os honro demais.

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– Mesclar ficção e realidade trouxe ainda mais dramaticidade ao romance ao mesmo tempo em que atualizou uma história do Brasil setecentista. Era essa sua intenção?

– Sim. Mesclar o Brasil setecentista e o atual foi incrível. O Brasil que Debret, no século XIX, retrata é o Brasil de hoje. É forte demais isso. Ver como o Brasil colonial está presente, infelizmente, em vários aspectos. O livro me permite criar essas analogias claramente, jogar uma coisa e outra para o leitor e a leitora perceberem e fazer suas próprias comparações. Eu não queria realizar um passeio de como era antes, mas como é, a partir de como era. Ou seja, a partir desta visita, olhar para o hoje. Isso me interessa sempre.

-Além de ter fisgado o genial Paulo Autran, que poderia ter vivido Manoel Luiz caso o romance quisesse ter sido um filme como você conta no livro, que características mais o encantam neste personagem da vida real? Ou seja, se Manoel Luiz não tivesse mesmo existido, você o teria inventado?

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– O Manoel Luiz é um personagem fascinante. A gente se encanta por ser um homem com várias facetas. Ele não é uma coisa só. Era um cara incrível. Fazia e amava o teatro. Durante muitos anos ele ficou no centro do poder. Quais recursos, quais habilidades ele tinha para se manter diante de poderosos que gostavam dele e outros que o detestavam?  Ele ficava se articulando, fazendo suas manipulações e isso é muito interessante, assim como sua humanidade, sua fragilidade, porque o nome dele chega, no século dezenove, cercado de deboche como exemplo de mau teatro. Eu me fiz a pergunta: será isso mesmo verdade, durante tantos anos, com tanta gente talentosa e inquestionável em torno dele, como o padre José Maurício Nunes Garcia, a Lapinha, o Leandro Joaquim, o João dos Reis? Os relatos são os melhores possíveis, então como é que poderia o chefe, o empresário, o líder da trupe ser tão carente de talento? Tudo isso me instiga e me coloca diante de um personagem realmente humano e interessante. Ah, se o Paulo Autran tivesse vivido Manoel Luiz seria maravilhoso, porque ele era a grande figura do teatro nacional. Ele e a Fernanda Montenegro, graças a Deus ela continua com a gente, eram o masculino e o feminino, representando o máximo do teatro. O grande ator e a grande atriz. Autran seria perfeito. Ele era engraçado. Enfim, isso aí fica para um outro entrelaçamento quântico entre Manoel Luiz e Paulo (risos), quem sabe, em outras dimensões.

-Você conviveu por mais de 20 anos com tantos outros fantasmas encantadores, como a Lapinha e o Pe. José Maurício, que ameaçavam sair da gaveta de quando em vez. Agora que eles se materializaram quanticamente no livro, o que acha que diriam a você? Se sente mais livre?

– Ah. Com certeza, eles diriam: finalmente, né Celso? Finalmente. Demorou, mas foi. Acho que ouviria isso, e se me sinto mais livre? Talvez. De um lado sim, mas por outro, não. Tenho que levar esse livro para o mundo. Estou com uma editora independente. A tarefa não é fácil, mas quero que mais gente conheça a história dessas pessoas incríveis e a história que estou contando também. Obrigado por essa entrevista. Neste sentido, já é um grande passo.

– Sua obra e sua vida se mesclam na história. Ou seja, você se revela e se intromete sem pudores nesta narrativa divertida, irônica, inventiva e real, incentivando a leitora e o leitor a também libertarem seus fantasmas. O que mais o marcou neste processo criativo, e como vai incorporar essa descoberta no seu fazer diário?

Ah, de verdade se o livro incentiva a leitora, o leitor, a também libertarem seus fantasmas, ele vai ter cumprido um belo objetivo, me deixa muito feliz. O que me marcou nesse processo criativo foi exatamente ter criado a partir das minhas próprias dificuldades. A dificuldade de contar essa história ao longo dos anos, e principalmente, na escrita desse livro, virou um material. Quando antes eu estava pensando em contar essa história, apenas ela, como um narrador observador dos fatos que aconteceram lá nos séculos dezoito e dezenove, eu era distante desses personagens, desses fatos, dessa vida. Quando me incluí dentro dela, quando resolvi tomar parte na história, fazendo paralelos da minha vida e da realidade atual, trazendo o que aconteceu e levando o que acontece, me senti mais à vontade. A história ficou minha também. Então, não era só o Manoel Luiz e as companheiras e os companheiros vivendo juntos, mas eu também. Por isso, o que trago agora para meus processos criativos é: onde estou nessa história? O que estou contando de mim? Isso fez virar um marco mesmo e um caminho a ser seguido.

O livro “A casa da ópera de Manoel Luiz” está à venda no site da Editora Mondru (www.mondru.com)

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