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“O descanso é o sonho dos nossos ancestrais”

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Nada melhor do que não fazer nada, para ter tempo de fazer o que se quer. É assim que completaria a primeira parte da frase diretamente relacionada à canção da eterna Rita Lee com suas manias de mim e de você. Se ela queria deitar e rolar, inclusive com o Bituca, fiquei pensando quantas pessoas teriam enorme dificuldade de listar o que fariam para alegrar a si mesmas se tivessem um tempinho livre. Ainda mais se nesta lista devessem constar atividades conectadas diretamente com os desejos mais profundos da alma. Talvez, aqueles abandonados ainda na infância e que até suas lembranças já fossem um enorme sacrifício.

Quando foi a última vez que você descansou de verdade, sem culpa? Foi assim que a frase que dá título a esse papo de domingo me arrebatou no feriadão da “preta, preta, pretinha” Nossa Senhora Aparecida, enquanto assistia ao apetitoso programa “Conversando com os grandes” disponível na plataforma de streaming Star+. Imagine um grupo de mulheres e homens afro-americanos muito bem-sucedidos nas mais diversas áreas do conhecimento, de diferentes faixas etárias, falando abertamente sobre as pautas que são caras não apenas à comunidade negra dos Estados Unidos, enquanto saboreiam pratos preparados por um renomado chef de cozinha que entende tudo sobre vinhos.

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Inspirada em “The Harlem Renaissance Salon”, a série de bate papos que reúne escritores, músicos, cantores, dançarinos, comediantes, afronauta, jornalistas, atores, atletas, empresários, dentre outros, aborda de forma bastante inovadora os encontros entre pessoas de perfil tão heterogêneo, mas, ao mesmo tempo, com tantas similaridades. Para começar, ver pretas e pretos em um ambiente sofisticado com papos de alto nível é provocante por si só. Daí, porque não se pode deixar de bater na tecla da representatividade quantas vezes forem necessárias. Como é bom ver gente preta empoderada falando de suas vulnerabilidades.

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Já tive oportunidade de estar apenas entre pessoas negras e devo confessar que senti um enorme alívio, ainda mais quando éramos apenas mulheres. Por mais que isso pareça pouco razoável, uma vez que o combate ao racismo é uma responsabilidade de todos, negros e não negros, é impossível negar o peso, ainda que inconsciente, de uma das vertentes do que a escritora e professora, Jamila Lyiscott, chama de “a tirania do conforto branco”. Integrante do primeiro encontro da primeira temporada de “Conversando com os grandes”, ela acredita que ou alcançamos a igualdade racial ou os brancos permanecerão confortáveis. As duas situações não podem se dar ao mesmo tempo. A questão é: quem está disposto a sair de sua histórica zona de conforto e ceder espaço para uma raça que sempre foi marginalizada?

“Temos que falar abertamente do que nossos ancestrais sussurravam”, diz Jamila, em meio ao jantar, provocando arrepios em seus colegas de programa. E uma das coisas que clamavam era por descanso.  E por que descansar era e continua sendo tão importante? Quem responde é outra grande da “Conversa”, Tiffany James, fundadora da Modernblkgirl, empresa destinada a tornar o mundo do comércio e do investimento acessível às mulheres negras. “Esforço não é nada sem estratégia. De onde vem a estratégia? Do descanso. As pessoas que descansam usam isso contra os pobres e os fazem trabalhar por eles. Algumas das pessoas que ganham salário-mínimo são as mais trabalhadoras”, afirma Tiffany. E quem pode contestá-la?

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Fato é que pessoas de bem descansadas ousam pensar. Ousam sonhar e criar formas de realizar seus desejos por mais difíceis que pareçam. Não se deixam abater pelo medo. Não se guiam pela escassez. Não se conformam com migalhas, sejam elas de amor, de trabalho, de respeito. Sabem da importância de equilibrar conceitos da milenar medicina chinesa que considera vital o cuidado com as energias primordiais yin (pausa) e yang (movimento). Sabem que sucesso vai muito além de ter uma rechonchuda conta bancária, porque tem a ver com realização pessoal e coletiva. Sabem fazer valer o esforço de seus ancestrais, ouvindo-os com sabedoria, para transformar sussurros em estratégias pela liberdade de ser e viver feliz.

 

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