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Eu te perdoo, mas pague pelo que quebrou

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Havia e não havia uma mulher muito rica que possuía um vaso de porcelana valioso. Um amigo muito querido foi visitá-la e, sem querer, esbarrou na peça que se espatifou ao chão. Atordoado e entristecido, implorou perdão pelo terrível incidente, ao que a amiga prontamente respondeu: “fique tranquilo. Era um bem muito estimado de herança familiar trazido pelos nossos ancestrais. Ele estava sob meus cuidados há 30 anos. Eu te perdoo. Não se culpe, por favor. Não guardarei mágoa alguma. Você só deve pagar pelo valor material avaliado em R$ 50 mil”.

Uso essa metáfora, contada à minha maneira e inspirada no professor Hélio Couto, para ilustrar o que considero ser uma forma saudável de lidar com os crimes de racismo praticados, em sua grande parte, contra as pessoas pretas e pardas que formam a enorme fatia da população negra no Brasil. Uma coisa é perdoar, até porque o perdão é libertador sobretudo para quem perdoa. E o que dizer então do auto perdão?  Mas outra é exigir, até por amor e respeito a si, à memória e ao coletivo, que se pague pelo “valor” do erro cometido, em um processo que chamaria de educação para a liberdade.

Por isso, instigada pelo resultado de pesquisa inédita encomendada pelo Instituto Peregum e Projeto Seta que aponta o racismo como o principal responsável pelas desigualdades no Brasil, recorri à Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), para levantar o total de crimes desta natureza praticados em Minas Gerais e, particularmente, em Juiz de Fora, nos anos de 2022 e o mais atualizado em 2023 (os dados completos estão abaixo). O objetivo é, senão outro, identificar e trazer luz a tudo o que afeta a expansão de nossa cidade e tem, portanto, potencial para transformá-la no lugar que todos sonhamos.

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De acordo com dados do Observatório de Segurança Pública/Reds/Sejusp MG, os registros de ocorrência de crimes de racismo consumados no período de janeiro a junho deste ano em Juiz de Fora somam sete casos. Não vou me ater ao número se pouco ou se muito, fato é que, comparado aos registros de igual período de 2022, há um salto gigantesco, visto que, apenas dois casos (em relação aos sete) foram contabilizados e que, em todo o ano de 2022, o total chegou a cinco.

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Já os registros de ocorrências de crimes consumados de injúria racial caíram de 14 para 12, na análise entre janeiro e junho de 2022 e 2023, respectivamente. Vale destacar que, enquanto o racismo é entendido como um crime contra a coletividade, a injúria é direcionada ao indivíduo e, em janeiro passado, teve sua pena aumentada de um a três anos de reclusão para de dois a cinco anos de reclusão, ao ser equiparada ao crime de racismo.

Como gosto de olhar para o copo cheio até a metade, independente desses números refletirem ou não a realidade nua e crua, o crescimento do número de casos também pode revelar que estamos ficando melhores em identificar e dar nome às nossas mazelas, principalmente, do ponto de vista de quem sofre esse tipo de agressão. Isto porque, assim como na violência doméstica que, sorrateira, retira de muitas mulheres a capacidade de exercer sua consciência crítica, no racismo e em situações de injúria racial isso não é muito diferente. Ainda duvidamos das agressões que ouvimos, mesmo quando sentimos aquele estranho e doloroso aperto no peito.

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Na última quinta-feira, em um dos eventos de negócio mais badalados da região, o JF SUMMIT, do qual tive a alegria de ser convidada como embaixadora, e, por isso, me sinto amorosamente estimulada a fazer uma série de sugestões para a próxima edição, entre elas, a de maior participação do empreendedorismo feminino local, o produtor musical Zé Ricardo, um dos palestrantes, chamou minha atenção ao destacar que o racismo não é um problema só de brancos (até porque são eles que estão indo em cana, penso), mas da sociedade como um todo, porque a ausência da diversidade cognitiva é um sério obstáculo à expansão dos horizontes coletivos. E é verdade.

Tanto que a mesma pesquisa encomendada pelo Instituto Peregum e Projeto Seta, realizada entre 14 e 18 de abril deste ano em 127 cidades brasileiras, apontou que 81% dos entrevistados concordam totalmente ou em parte que o Brasil é racista. O curioso é que, “embora a população identifique o racismo como um problema no país, muitas pessoas têm dificuldade em assumir sua presença nos espaços privados e mais íntimos de suas vidas. Grande parte concorda que o Brasil é um país racista, mas poucas assumem ter atitudes ou práticas racistas. Assim, existe um Brasil racista sem que as pessoas o identifiquem em suas próprias condutas ou experiências de vida”.

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Isto explica porque é preciso iluminar e expandir os níveis de consciência, para que, em plena era da Inteligência Artificial (IA), não sejamos nós os robôs. Se somos um país racista, quem é que está praticando o racismo? E por que, nós, negras e negros, estaríamos tão quietos se essa prática é crime? O que os números dos registros consumados em Juiz de Fora, enfim, estão gritando para cada uma e cada um e para o coletivo?

Não deveríamos esperar a IA responder.

 

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SAIBA MAIS

percepcaosobreracismo.org.br

CRIMES DE RACISMO EM MINAS 2022/2023

Registros de crimes de racismo

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Minas Gerais  

2022 – 189

2022 (janeiro a junho) – 66

2023 (janeiro a junho) – 185

 

Registros de Injúria – (Causa presumida racismo)  

Minas Gerais  

2022 – 487

2022 (janeiro a junho) – 241

2023 (janeiro a junho) – 296

 

Registros de crimes de racismo (Consumado)

Juiz de Fora

2022: 5

2022 (janeiro a junho) – 2

2023 (janeiro a junho) – 7

 

Registros de crimes de injúria racial (Consumado)

Juiz de Fora

2022: 31

2022 (janeiro a junho) – 14

2023 (janeiro a junho) – 12

 

Fonte: Observatório de Segurança Pública/Reds/Sejusp MG      

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