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Quando a mulher negra se movimenta

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Maria Firmina dos Reis era uma desconhecida para mim até antes da pandemia. Aos poucos, a história dela e a minha foram se embolando de tal forma que é impossível não mencioná-la nas apresentações que faço, nas conversas, nos textos, não acolhê-la nas surpresas que o fluir da vida vai me presenteando, como participar da segunda turma da Academia Firminas de Lideranças Pretas, por um convite, ‘aparentemente’, ao acaso.

Falar sobre ela é como ilustrar o que a filósofa norte-americana Angela Davis tão bem expressou em conferência, no campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), em 2017. “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”.

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Nesta semana, em que comemoramos o Dia Internacional da Mulher, diversas estatísticas vieram à tona para reforçar as palavras desta ativista, ícone do movimento negro mundial, que já teve a vida retratada nas telonas, além de ganhar música de John Lennon e Yoko Ono, e dos Rolling Stones, em sua luta pela liberdade.

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De acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva, por exemplo, uma negra com curso superior recebe 55% menos que um homem branco. Seu salário também é menor que de uma mulher branca. Enquanto ganha R$ 3.571 a outra R$ 5.097. Já o homem branco embolsa R$ 7,9 mil.  Por isso, a proposta de uma legislação que puna a desigualdade salarial entre pessoas que desempenham as mesmas funções e com as mesmas qualificações, anunciada pelo Governo federal, tem poder de provocar abalos sísmicos no capitalismo, porque a diferença é mesmo absurda. O impacto desta equiparação mexe diretamente com a imensa base da pirâmide e vai obrigar quem está por cima a sair da zona de conforto.

Maria Firmina também sacolejou as estruturas do sistema escravocrata em seus 92 anos de vida dedicados à educação, à literatura, à pesquisa, à cultura. Seja fundando uma escola mista e pública que ensinava negros a ler e a escrever, seja como responsável pelo primeiro romance abolicionista de autoria feminina da língua portuguesa, “Úrsula”, lançado em pleno período da escravidão.

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Esse é, inclusive, o livro que marca, em Juiz de Fora, a retomada do movimento “Leia Mulheres JF”, no próximo dia 18 (sábado), às 15h30, na Autoria (Rua Batista de Oliveira, 931 – 2º andar). Parte de uma iniciativa que já está presente em mais de cem cidades brasileiras, o Leia Mulheres JF é um clube aberto ao público em geral que visa incentivar a produção literária feminina.

Atual coordenadora na cidade, Mírian Cristina Luiz explica que Maria Firmina dos Reis ficou muito tempo esquecida e que resgatar sua obra é imprescindível por tudo o que ela representa de ousadia, coragem e determinação. Participam do movimento de retomada a publicitária, Nádia Rebouças, a psicóloga e doula Carolina Duarte, e a empresária, Isabel Valle, assim como eu.

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Firmina também será responsável por trazer a Juiz de Fora, no dia 24 deste mês, às 18h, no Espaço Cidade, a primeira autora negra contratada pela Rede Globo, a multiartista, Renata Di Carmo, para o lançamento de seu livro “As faces de Maria Firmina dos Reis – Diálogos Contemporâneos”, pela Bambual Editora. Evento que será realizado durante roda de conversa sobre a autora de “Úrsula”, que também terei a honra em participar.

A “Essência” de uma jovem escritora

Mais uma demonstração do que ocorre quando uma mulher negra se movimenta está no talento da jovem escritora juiz-forana, Ana Torquato, que garantiu seu espaço entre os três finalistas do Prêmio Ecos de Literatura. No próximo dia 25, ela estará em São Paulo para a cerimônia que pode consagrar sua terceira produção, “Essência” (Editora Motres), como melhor livro, com sua coletânea de contos, poesia e ilustrações. A publicação também concorre no Prêmio Books Brasil, como “melhor capa”, em um trabalho da artista Milla Lohse. A votação é aberta ao público e segue até o dia 17.

No prefácio de “Essência”, a psicóloga e psicanalista, Naiara Silva, indaga: “quantas primaveras são necessárias para que as árvores das mulheres negras possam crescer e florescer?” Ana, que é filha única, observa que sua paixão por escrever vem do interesse de dar voz a si mesma e também a outras mulheres, como sua mãe, que se calaram diante de circunstâncias que as amedrontavam.

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“Minha mãe se orgulha dessa minha determinação e coragem. Querer fazer diferente dela me dá força, alimenta minha ânsia de derrubar padrão. Ninguém pode determinar o que alguém pode ou não fazer”, diz a escritora, que também assina as ilustrações de seu livro. Convicta de que suas palavras e desenhos traduzem um amplo trabalho interno de evolução espiritual, Ana vai, assim, como Maria Firmina dos Reis, fazendo da escrita instrumento de seu legado.

 

AGENDA

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“Leia Mulheres JF”

Dia 18 (sábado), às 15h30, na Autoria (Rua Batista de Oliveira, 931 – 2º andar)

 

“Por que precisamos ler Maria Firmina dos Reis?”

Lançamento do livro “As faces de Maria Firmina dos Reis”. Dia 24 de março, às 18, no Espaço Cidade (Avenida Rio Branco, 2.234 – Parque Halfeld)

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