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Idiocracia

BrunoStigert
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A democracia foi um projeto vitorioso da modernidade, “o governo do povo, pelo povo, para o povo”, nas palavras de Lincoln. Churchill preferia em tom provocativo dizer que “muitas formas de governo foram tentadas, e serão testadas neste mundo de pecado e aflição. Ninguém finge que a democracia é perfeita ou onisciente (…) a democracia é a pior forma de governo exceto todas as outras formas que foram testadas de tempos em tempos”. Em síntese, as democracias objetivam transformar os cidadãos e cidadãs em autores e destinatários de seus destinos na comunidade política.

A honesta constatação é que a democracia é incompreendida pela maioria dos seus destinatários e perdoa incondicionalmente quem não a trata com o devida estima, por isso no século XXI trouxe consigo fenômenos correlatos e um deles é o da IDIOCRACIA. O termo ficou conhecido em filme de Mike Judge (2006) e pode ser definido como “governo de idiotas”. A proposta é enfrentar o paulatino emburrecimento da sociedade que em 2505, estaria hipnotizada pelas programações de TV e pelo comercialismo de massa. Com pequenos ajustes, poderíamos dizer que o autor acertou na mosca, acrescentando, no ponto, as redes sociais ao lado da TV e a opção pelo consumo de coisas e não de conhecimento.

Do entusiasmo com as promessas da democracia ao receio que ecoa legítimo com as radicalizões cegas da idiocracia, creio que existe o ônus diário de provar que a primeira resiste e resistirá. No entanto, alguns exemplos cotidianos e repetidos de idiocracia merecem luzes para que a luta contra as sombras seja vencida. Ofereço uma pequena lista de aperitivos: gripezinha ou resfriadinho que matará no máximo uma dúzia, voto impresso e auditável, estamos protegendo a Amazônia, Sério Moro herói, Sérgio Moro canalha, combatemos a pandemia, gás de cozinha 30 reais, gasolina a 3 reais, a culpa dos preços é dos Governadores, foram criados empregos (informais e desamparados), cloroquina, etc. A agência de checagem “Aos Fatos”, informou que o governo brasileiro tinha uma média de 4,3 mentiras por dia até 2020 e chegou a incrível marca de 6,9 por dia em 2021, num total de 2516 mentiras no ano, metade delas sobre covid.

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Por falar em covid, vale lembrar sua relação com idiocracia. Essa semana uma importante entrevista no jornal “Corriere Della Sera” feita com o médico italiano Pasquale Bacco, traduz objetivamente o cenário. Bacco era líder de uma associação anti-vacina no seu país, mas a morte de um jovem de 29 anos por Covid o abalou: “Ele tinha em seu celular os vídeos dos meus comícios. A família me disse que ele era meu fã (…) Essa morte parece minha culpa”. O médico ainda fala em “economia real do medo da vacina”, movimento mantido por um “sistema”, uma espécie de “religião” em busca de “vingança”. Aliás, insisto aqui na ideia que escrevi em coluna passada sobre os recrutados, pessoas que se sentiam abandonados pelos projetos sociais e políticos anteriores. Os recrutados são sujeitos atravessando conflitos de identidades, buscando reputação ou satisfazer uma compulsão. Por se sentirem subutilizados, nutrem uma falsa noção de segregados por seu status social, buscando palanque e protagonismo, mesmo em projetos que carecem de qualquer justificação.

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Ainda na  entrevista, Bacco diz que alimentava seus seguidores com discursos dolosos sobre as vacinas: “as vacinas tem água do esgoto”, os “caixões de Bergamo estavam todos vazios” e “ninguém morreu com covid”. Tudo isso era ampliado nas redes sociais.

No Brasil a circunstância mais recente e grave são as falsas notícias contra a vacinação infantil. Pessoas que no exercício da idiocracia replicam sobre mortes inexistentes de crianças, de supostos amigos e parentes que perderam filhos e netos, mas nunca apresentam os dados e no fim sempre usam uma “cortina de fumaça”. Leitores, orientem-se pelo pni.datasus.gov.br, não pelo grupo do zap. Os efeitos adversos existem, são catalogados – ainda mais no estado de vigilância ideológico -, informados e estudados. A relação entre mortes de crianças por covid e os riscos adversos superam e muito as desconfianças. Enfim, você escolhe entre a idiocracia (grupo do zap) e a democracia (ciência e informações verificadas e de boa-fé).

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Portanto, é mais difícil matar um “fantasma” do que uma realidade (V. Woolf). Fantasmas se assemelham à sombras, ilusões que até causam receio e preocupação, são quase físicas por assim dizer. Porém, o fato de haver sombra não materializa a existência de fantasmas. Por vezes cansa dizer o óbvio. Por vezes se torna inviável o debate quando as pessoas se quer se entendem sobre o que estão deliberando: não dá para argumentar contra um suposto fantasma feito de sombra! Hannah Arendt dizia que a mentira se sobrepõe quando não há capacidade, força, inteligência ou interesse em mudar a realidade. E aí, você vive na democracia ou na idiocracia?

 

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