Oi, gente.
A relação entre artistas e seus fãs, às vezes, é parecida com muitos relacionamentos que vemos por aí, uma mistura de amor, ódio, decepção, alegria, surpresas, mentiras… Temos desde os fãs mais contidos àqueles alucinados, que choram quando eles aparecem no Chacrinha, ficam na porta de hotel, fazem tatuagem, querem autógrafo, foto. E também existem artistas de todos os tipos: daqueles que são completamente solícitos, simpáticos; dos que se relacionam animadamente nas redes sociais, como o Ed Motta; e aqueles que se julgam semideuses inalcançáveis, acima do bem e do mal.
E temos Morrissey e seus fãs, a razão de ser da coluna desta semana.
Voltei a pensar na relação entre o ex-Smiths e seus fãs no último sábado, ao colocar para rodar o “Introducing Morrissey”, DVD que mostra trechos de dois shows do cantor em duas cidades inglesas em 1995. O repertório – quase todo baseado em “Vauxhall and I” e “Your arsenal”, além de singles e lados B – e o show em si, por melhores que sejam, chamam menos atenção que o ritual proporcionado por Mozz e seus admiradores, totalmente diferente do que se costuma ver por aí.
Enquanto Morrissey canta, usa o cabo do microfone como chicote e interage com os fãs mais próximos, os admiradores ou admiradoras sobem ao palco, abraçam o cantor ou dão um beijo – ou ainda trocam um aperto de mãos ou alisam (!) a barriga (!!) de Mozz – e se dirigem calmamente para a saída do palco. Para os mais animados, um assistente do cantor chega até eles e, quase como se estivesse pedindo desculpas, os pega pelas mãos e pede para saírem calmamente. Quanto a Morrissey, ele segue cantando meio como se fosse a coisa mais normal do mundo, numa postura que é um misto de um tedioso “ok, podem me idolatrar” e uma mal contida alegria de saber que é amado por tanta gente, quase um constrangimento por provocar tantas emoções.
O ritual tem início logo nas primeiras canções e vai alcançando o ápice entre o meio e o final do DVD: em canções como “National Front Disco”, “Now my heart is full” e “Speedway”, a impressão que se tem é de haver uma fila para subir ao palco e tocar no ídolo, tamanha é a organização na idolatria – há gente, inclusive, que simplesmente passa direto pelo cantor, como se estar perto de Mozz já fosse o suficiente. Assim como em “Introducing Morrissey”, outros DVDs do cantor – e até mesmo dos Smiths – mostram esse sentimento de empatia entre cantor e seu público, com o “cerimonial” sendo repetido. Num dos poucos disquinhos em que o público não consegue chegar ao palco devido à distância (“Who put the ‘M’ in Manchester?”), toda tentativa frustrada é seguida de um “valeu a tentativa” proferido pelo cantor inglês.
Talvez por ironia, o DVD é encerrado com a versão de estúdio de “Will never marry” (“nunca me casarei”, em inglês), com Morrissey sendo agarrado, derrubado e até mesmo arrastado pelos fãs mais alucinados. Para quem nunca se casou – e até mesmo se dizia, por tantos anos, celibatário -, talvez seja este o mais duradouro e feliz dos relacionamentos.
Vida longa e próspera para Dona Sandra. E obrigado pelos peixes.