Visão, o nosso herói suburbano

Por Júlio Black

visão quadrinhos

Oi, gente.

A face sombria e nada glamourosa dos idílicos subúrbios americanos já foi tema de séries e filmes (“Desperate housewives” e “Beleza americana”, por exemplo), mas não lembro de ver essa realidade retratada no universo dos quadrinhos de super-heróis. Mas aí a Marvel resolveu dar uma série solo – a terceira – para o Visão, um dos mais interessantes personagens da editora, e a dupla Tom King (roteiros) e Gabriel Hernandez Walta (desenhos) foi lá e criou em 12 edições um dos melhores títulos da Casa das Ideias nos últimos anos, que a Panini agora publica em dois encadernados de capa dura.

Espertos que somos (ou tentamos ser), conferimos as seis primeiras edições de “Visão” em apenas um dia e já ficamos na ansiedade pelo segundo volume. Afinal, dificilmente existe um personagem melhor que o Visão para personificar este universo, com limites tão claros – ainda que impostos de forma indireta – sobre como se comportar, se expressar, opinar, vestir, qual o carro “para família” ideal, jardins bem cuidados, preconceitos, em que se finge discrição mas todos querem saber da vida alheia. De murmúrios de reprovação sobre o outro, ainda mais se este outro for “diferente”.

Sendo que tudo o que o Visão deseja é ser “normal”. Ser humano. É o que ele, de alguma forma, sempre busca desde que foi criado pelo maligno robô Ultron a partir de uma das cópias do Tocha Humana original e dos padrões cerebrais do então falecido Magnum. Por ser o que a Marvel chama de sintozoide (criatura com partes mecânicas e órgãos humanos artificiais), ele é capaz de expressar emoções, e por isso mesmo foi casado por muitos anos com a Feiticeira Escarlate, até que os eventos de “Vingadores: A Queda” decretaram o fim do casal.

Ao ser reconstruído pelo Homem de Ferro, ele descobre que sua então esposa foi responsável por sua destruição pelas mãos da Mulher-Hulk, e daí o Visão resolve apagar de sua memória todas as emoções ligadas à sua ex-mulher. Como ainda almeja entender a humanidade e se aproximar do que conceito de “ser” humano, ele literalmente constrói uma esposa, Virginia, e dois filhos, Viv e Vin, a partir de uma série de algoritmos que resultariam na criação de uma família perfeita, e muda-se para um subúrbio nos arredores de Washington.

“Visão”, a revista, mostra esta nova fase da vida do personagem, e como ele não poderia estar mais errado em suas crenças. O mundo perfeito do herói desmorona lentamente a cada edição, com a repetição dos mesmos erros que estamos acostumados a cometer – talvez neste ponto ele não esteja tão distante da humanidade “normal”.

Vários dos elementos vistos em outras histórias sobre este microcosmo suburbano estão ali: o pai de família com o emprego burocrático e aborrecido (quando não está em missão com os Vingadores, o Visão é o contato da equipe com a Presidência dos EUA); a sensação de deslocamento e estranhamento dos filhos no colégio, ambiente geralmente hostil em que convivem com o medo, preconceito, curiosidade e a amizade; e a prisão sem paredes de Virginia, cuja “programação” não impede que ela tenha uma relação passivo-agressiva com o marido, filhos e vizinhos.

Por trás da capa do encadernado, que mostra uma típica família suburbana dos Estados Unidos, “Visão” retrata um universo cruel e sombrio que tenta se esconder sob as regras sociais vigentes, mas que se torna transparente quando uma série de eventos – que inclui a ameaça de um vilão conhecido dos Vingadores – descamba para mentiras, assassinatos, traumas e alguma destruição.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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