A guerra fria de ‘Expresso do Amanhã’ e a decepção com ‘Tribos da Europa’

Por Júlio Black

expresso do amanha e1618331282418Oi, gente.

Comentamos em agosto de 2020 que a primeira temporada de “Expresso do Amanhã” (Netflix) havia começado em marcha lenta e depois encontrou seu ritmo, com um cliffhanger no final de temporada que curtimos a baldes, deixando geral com a expectativa de que a segunda temporada elevaria o sarrafo da produção.

Pois foi exatamente isso que aconteceu, mas antes de escrevermos nossas considerações consideráveis é preciso relembrar o final da temporada, então senta que lá vem spoiler. O protagonista da série e líder dos fundistas, Andre Layton (Daveed Diggs), uniu a galera, assumiu a liderança do Snowpiercer e uniu todas as classes do trem com a promessa de que dali pra frente tudo seria diferente.

Mas aí temos a revelação de que o criador do Ferrorama da vida real, Joseph Wilford (Sean Bean), não apenas estava vivinho da Silva como tinha seu próprio trem, o Big Alice, que ele deu um jeito de engatar na traseira do Snowpiercer. E o macho estava cheio das vontades de se vingar de quem roubou seu brinquedo e mostrar que quem deveria mandar (e, no caso, “mandar” é o termo correto) na bagaça. Como bônus, Melanie (Jennifer Connelly), que manteve os habitantes dos 1.001 vagões originais do trem acreditando que ela era “a voz” de Wilford no Snowpiercer, descobre que sua filha, Alex ( Rowan Blanchard), estava viva, foi criada por Joseph e levada a crer que a mãe era uma senhora de uma cretina que a deixou para trás.

Sem ter que se preocupar com a trama de detetive que ocupou boa parte da primeira temporada, o segundo ano de “Expresso do Amanhã” se dedicou à guerra nem sempre fria (tum-dum-tsss) entre Layton e Wilford. O primeiro percebeu que tentar liderar e promover um regime democrático em um trem com o que restou da humanidade após o apocalipse de gelo não era tarefa fácil, pois não faltavam ressentimentos entre as classes originais e nem sempre é fácil tomar decisões baseadas apenas na promessa de jamais mentir aos seus comandados. Daí que sabe como é, vamos contar uma mentirinha aqui, depois outra, e lá vai a moral do manolo pelo ladeira abaixo.

Por sua vez, Sean Bean arrebenta como o malvadaço Joseph Wilford, um vilão com “V” em caps lock disposto a tudo para retomar a posse não apenas do trem, mas das pessoas que nele habitam _ bem na linha “you belong to me”. Assim como todo bom mau político, ele é populista, manipulador, ardiloso, bajulador, e ao mesmo tempo violento, impiedoso, frio, egoísta, desprovido de empatia e capaz de articular as maiores traições em busca de seu único objetivo: tornar-se o déspota nada esclarecido do Snowpiercer.

A segunda temporada, todavia, não se resume à briga entre os rapazes. Outros personagens ganham destaque e desenvolvimento, como Audrey (Lena Hall), Bess (Mickey Sumner) e Ruth (meu quase crush chamado Alison Wright). E é preciso destacar, claro, a relação entre Alex e Melanie, que passa do desprezo absoluto da filha pela mãe para um princípio de tentativa de recuperar o tempo perdido.

No geral, o segundo ano de “Expresso do Amanhã” teve vários episódios muito bons, com muita tensão, batalhas verbais, políticas e outras que partiram para os finalmentes, traições, reviravoltas e um episódio final cheio de ação, tensão, caos e a expectativa de que o terceiro vai arrebentar, ainda mais que os habitantes dos 1.034 vagões _ ou melhor, 1.033 _ agora podem alimentar a esperança de dias melhores e menos congelantes.

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Enquanto isso, na Sala da Justiça, “Tribos da Europa” foi uma senhora decepção. A produção alemã, que também faz parte do catálogo da Netflix, destacava em seu trailer: “dos mesmos produtores de ‘Dark'”, o fenômeno sci-fi que conquistou fãs pelo mundo inteiro com a história do filho que voltava ao passado para virar corno do próprio pai, entre outras questões filosóficas. O trailer parecia tão legal, então pensamos: “aí vem coisa boa”, inocentes a ponto de esquecer que o trailer de “Esquadrão Suicida” nos deu a mesma rasteira emocional.

A premissa da série prometia. Em 2029, uma catástrofe acabou com praticamente toda a tecnologia que existia em nosso planeta, aí passou a reinar o caos e a anarquia, governos caíram, países deixaram de existir e a humanidade se dividiu em tribos, que lutam ferozmente e sem piedade por qualquer pedaço de terra ou tecnologia. Quem é subjugado come o pão que o tinhoso sapateou, vira escravo, essas coisas.

Com essa trama como base, não tinha como não se interessar, ainda mais que li ano passado o livro “Guerra: O horror da guerra e seu legado para a humanidade”, de Ian Morris, em que o autor argumenta que as guerras, por maiores e piores que sejam, criam sociedades maiores e mais complexas, em que o lado vencedor precisa governar para todos e, por isso, precisa oferecer estruturas sociais, econômicas, de saúde etc. O resultado, de acordo com os dados analisados pelo escritor, indicam que o estabelecimento de Estados fortes e estáveis (os “leviatãs”) diminuíam a violência interna, resultando em sociedades mais ricas e seguras, com as taxas de mortes violentas caindo a níveis insignificantes.

Ao mesmo tempo, sociedades menores, tribais, precisam lutar muito mais para manter seus territórios e conquistar outros, logo os conflitos são mais frequentes, o banho de sangue maior, e esses pequenos conflitos têm como consequência um tratamento desumano para quem foi derrotado e subjugado. Mais ou menos o que se vê em “Tribos da Europa”, em que a tribo dos Corvos, por exemplo, mata ou escraviza aqueles que são derrotados e capturados.

Ou seja, teria tudo para dar certo, mas não resisti a três longos, chatos e confusos episódios. O grande problema da série da Netflix é que ela repete o bingo de outras produções do gênero, como a igualmente malfadada “Revolution”: o mundo passa por uma catástrofe, a humanidade se divide em tribos, aí tem aquela comunidade “da paz” que é invadida por outra beligerante, a família de protagonistas é separada e temos que acompanhar uns três núcleos diferentes rodando por aí, tentando se encontrar, se libertar ou se vingar, sem contar que sempre tem um artefato misterioso que pode responder o que levou a humanidade de volta à Idade das Trevas.

Além da repetição de clichês, “Tribos da Europa” também repete o problema que “Revolution” tinha com seus protagonistas, personagens com pouquíssimo carisma e com os quais você não se importa nem quatorze centavos. E tem mais: as cenas de ação não empolgam, os vilões são genéricos e caricatos, o roteiro é confuso e as situações são tão previsíveis que não há uma reviravolta capaz de surpreender o telespectador, tudo o que aparece na tela poderia ser acompanhado por um “eu já sabia”.

Por isso, nem vamos perder tempo com os três episódios finais da primeira temporada, pois tem coisa muito melhor por aí, como “For all mankind” (Apple TV+) e “The Stand” (Starzplay), que já começamos, gostamos _ e esperamos que continuem assim.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

(Quando não estiver ligado em séries, aproveite para seguir a playlist da coluna no Spotify e Deezer, tem música para ouvir até depois que o apocalipse pedir arrego)

Júlio Black

Júlio Black

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