O final de “The Americans” (e o dia em que ficamos órfãos da melhor série do universo)

Por Júlio Black

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Oi gente.

Ainda que tenham lá suas semelhanças, novelas e seriados têm suas diferenças. A primeira costuma demorar uns nove meses, é de segunda a sábado, e logo que termina vem outra em sequência. Nem dá para respirar direito, pois é “o rei está morto, longa vida ao rei” e vamos embora. Uma “Avenida Brasil”, “Celebridade” sempre serão lembradas, mas “O outro lado do paraíso” é a bola da vez e a vida é assim nos folhetins globais.
Com os seriados é diferente. Você se dedica a eles por anos, caso não os abandone porque ficam ruins ou passam do prazo de validade. Acompanha o desenvolvimento das tramas, personagens, reviravoltas, os cliffhangers que serão resolvidos só daqui a seis meses, cria teorias, chega até mesmo a torcer para que ela nunca termine. Mas aí ela quase sempre chega a um final.

E você passa por um fenômeno moderno (pelo menos para mim) que é difícil de explicar: o de sentir-se órfão de um programa quando ele termina. Afinal, você passou cinco, seis, sete anos seguindo a produção com fidelidade, semana a semana – ou em maratonas, como é a moda atual -, compartilhando a “atividade” nas redes sociais, recomendando aos amigos do WhatsApp/Facebook quando perguntam o que assistir, até mesmo escrevendo colunas a respeito.

Pois na última segunda-feira, 11 de junho de 2018, às 23h50, após um melancólico fade out e o início dos créditos finais, eu tornei-me órfão de “The Americans”. Não é um sentimento inédito: passei por isso ao final de “Star Trek: Enterprise”, “Lost” (apesar do final revoltante, pra dizer o mínimo), “Fringe” e “Breaking Bad”. Desta vez, porém, foi diferente, porque “The Americans é/foi A MELHOR SÉRIE DE TV DO UNIVERSO. E também a mais subestimada, pois a audiência nos EUA nunca foi das melhores – aqui também, afinal a Fox esconde o programa na sua grade – e se manteve no ar todos esses anos por conta da sua qualidade e aclamação da crítica.

Em todos os seus 75 capítulos, exibidos num total de seis temporadas, não lembro de ter assistido a nenhum episódio ruim, de achar que perderam o ritmo, se perderam na história, que ela perdeu a razão de ser. Não teve gordura. E, por isso mesmo, apesar do sentimento de orfandade, melhor que ela termine no auge que se tornar um zumbi feito “Arquivo X” ou se perder em sua pretensão como aconteceu com “Lost”.

Para quem não leu as várias colunas anteriores sobre a série, explicamos de novo. Os personagens principais, Philip (Matthew Rhys) e Elizabeth Jennings (Keri Russell), poderiam ser considerados o típico casal americano de classe média: donos de uma agência de viagens, têm uma bela casa nos subúrbios de Washington, um casal de filhos e levam uma vida pacata.

Só que não. Na verdade, eles são dois agentes da (extinta) União Soviética infiltrados nos Estados Unidos desde os anos 60, com identidades falsas, que precisam cumprir uma série de missões para o governo comunista, o que inclui sequestros, chantagens, assassinatos, espionagem, infiltração, roubo de documentos, o diabo a quatro. Tudo com o apoio de outros agentes, diversos carros com chapas “frias” e disfarces, muitos disfarces. Como cereja do estrogonofe, ganham como vizinho um agente do FBI (Noah Emmerich).

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Sem querer esticar muito a história, pois foram vários os arcos durante as seis temporadas, “The Americans” se passou durante os anos 80, num dos momentos mais críticos da Guerra Fria, e foi um primor em vários quesitos. Desde a reconstituição de época, em termos de figurinos (quanta ombreira, minha gente!), adereços, automóveis, programas de TV, músicas, passando pelos roteiros, direção e os inúmeros momentos de tensão e suspense e drama, sem esquecer do contexto geopolítico. E dos disfarces, precisamos falar dos disfarces mais uma vez, cada episódio Elizabeth e Philip sempre apareciam com algum visual surpreendente e verossímil.

O elenco também foi outro achado. Matthew Rhys, Keri Russell, Noah Emmerich, Holly Taylor, Costa Ronin, Lev Gorn, Alison Wright (saudades da Martha), Margo Martindale, Frank Langella, Annet Mahendru, Keidrich Sellati… Muita gente boa para um programa só.
Não vamos dizer muita coisa sobre o episódio final, porque não tem graça entregar spoiler, mas foi aquela coisa marlinda que a gente esperava. Um total de 68 minutos sem parar para respirar, suspense e tensão o tempo inteiro. E o momento mais aguardado de “The Americans”, que a gente esperava desde o primeiro episódio, justificou todos os anos de espera. É daquelas cenas que justificam neguinho bradar por aí que a televisão vive uma nova Era de Ouro.

Porém, mais que a tensão e a dor da despedida, o desfecho de “The Americans” foi triste, muito triste. Porque foi uma história de desapego, de deixar tudo que você podia (mas não queria) para trás, decisões difíceis, do adeus que não podia ser dito. Mais que o suspense inicial, os minutos finais foram marcados por essa melancolia de quem, ao repensar sua vida, vai ter que refletir se as escolhas tomadas valeram a pena.
Porque “The Americans”, sob muitos aspectos, é sobre as decisões difíceis que muitos precisaram tomar por conta de suas convicções, crenças, das vidas que foram destruídas por causa disso, e das consequências e o peso na consciência que cada um terá de carregar. E isso vai muito, mas muito além de se fazer uma série genérica de espionagem.

É por essas e outras que “The Americans” é/foi A MELHOR SÉRIE DO UNIVERSO, e da qual nos sentimos órfãos desde as 23h50 de 11 de junho de 2018.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes, camarada.

Júlio Black

Júlio Black

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