Os trem que a gente ouve, Parte 3

Por Júlio Black

Oi, gente.

Terminamos esta breve série sobre alguns dos mais recentes lançamentos com uma salada de estilos, temas e sonoridades para quem gosta de coisas mais acessíveis, é das antigas, acredita que o grunge não morreu ou é ligado naquelas boas esquisitices que só a rede mundial de computadores nos permite encontrar.

Para a semana teremos, então, os últimos trabalhos do Mudhoney, um dos mais honestos representantes do som de Seattle; os eslovenos do Laibach reinterpretando a trilha sonora de “A noviça rebelde”; o pop que tem nada de rock do quarteto The 1975; e o abraço sincero porém polêmico do Muse ao pop eletrônico.

Esperamos ter ajudado a renovar a sua biblioteca musical; caso tenhamos falhado miseravelmente, não nos xingue na área de comentários do site, que é feio e Antônio, O Primeiro de Seu Nome, um dia vai aprender a ler e pode ficar traumatizado – ou com desejo de vingança, ser humano é bicho contraditório e imprevisível e que sobreviva o mais forte.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

 

mudhoney digital garbage

MUDHONEY, “Digital garbage”

Gravar um álbum que critica “tudo isso que está aí” nos Anos Trump não é novidade, mas o Mudhoney tem a vantagem de contar com a sagacidade, ironia e sarcasmo do vocalista e guitarrista Mark Arm, que faz de “Digital garbage”, décimo álbum de um dos precursores do grunge de Seattle, um trabalho que desce a mamona em tudo e todos, passando pelos políticos, fanáticos por armas, os massacres cotidianos promovidos por atiradores perturbados, recalcados e frustrados e mimados, religiosos fariseus, as insanidades que pipocam diariamente na internet, o vazio das relações humanas – principalmente as virtuais – e a falta de empatia para com quem não teve a mesma sorte na vida (sabe o famoso e cretino “não devemos dar o peixe, e sim ensinar a pescar?” Então).

As onze canções são embaladas, em sua maioria, pela sonoridade típica do Mudhoney, aquele rock de garagem com raízes no punk mas que em “Digital garbage” ganha um tecladinho safado aqui, uma gaita ali, e todo mundo fica feliz. Músicas do calibre de “Kill yourself live”, “Paranoid core”, “Oh yeah”, “Prosperity gospel”, “Please Mr. Gunman” e “21st Century Pharisees” mostram que o tempo passou apenas o suficiente para o quarteto de Seattle – e isso é bom.

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LAIBACH, “The sound of music”

Formado em 1980, quando a Eslovênia ainda fazia parte da finada Iugoslávia, o Laibach se tornou conhecido pela sonoridade única, que inclui ritmos marciais, música industrial, darkwave, música clássica, experimental, avant-garde, mil coisas, e rendeu álbuns clássicos como “Opus Dei”, “Kapital”, trilhas sonoras para filmes e peças e – curiosidade das curiosidades – alguns dos mais insólitos álbuns de covers: “Let it be”, dos Beatles; as sete versões para “Sympathy for the Devil”, dos Rolling Stones; “Nato”, apenas com versões de músicas que tratam sobre guerra; e “Volk”, inspirado por hinos nacionais ou pan-nacionais.

Pois só explicando a trajetória da banda para conseguirmos situar “The sound of music”, mais recente trabalho da banda, que é composto em sua maioria por releituras do clássico musical “A noviça rebelde”. A razão de ser do álbum são os shows feitos pelo Laibach na Coreia do Norte em 2015, primeira vez que um grupo ocidental tocou no país comunista e que teve em seu setlist várias músicas do filme, que são comumente usadas para ensinar inglês nas escolas norte-coreanas.

Das 11 faixas, oito fazem parte de “A noviça rebelde” e são reproduzidas de acordo com o estilo peculiar do Laibach, porém com generosas doses de ironia e um toque algo retrô nos sintetizadores – sem esquecer de vocais guturais e criancinhas fazendo coral em algumas canções. A releitura de “Do-re-mi” de ve ser a mais sombria já criada para a música, e “My favourite things” ganha um ar ameaçador que não existia no original. “Sixteen going on seventeen” tem um quê lascivo inexistente no original, e outras músicas, como “Maria/Korea”, a faixa-título, “So long farewell”, “Edelweiss” e “Climb ev’ry mountain” são igualmente interessantes.

Para encerrar, “The sound of music” ainda tem as curiosas “Arirang” (música folclórica considerada o hino informal da Coreia do Norte) e “The Sound of Gayageum”, terminando com um discurso de um de um membro do Comitê Democrático da República Popular da Coreia para Relações Culturais, que acusa o Laibach de ser uma organização fascista (hahaha).

Dá para ignorar um disco desses?

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THE 1975, “A Brief Inquiry into Online Relationships”

Sinceramente? Nunca havia dado muita bola até o lançamento de “A Brief Inquiry into Online Relationships”, há menos de duas semanas. O motivo? Tem banda demais por aí, muitas delas só regurgitando tudo o que foi feito de bom ou ruim nas décadas anteriores, em especial os anos 80, mas daí que todo mundo estava falando bem do terceiro álbum do quarteto inglês e “ok, vamos ver qual é”.

A verdade? “A Brief Inquiry into Online Relationships” é um bom álbum se synthpop dos anos 80 repaginado para o nosso século, com canções interessantes sobre as relações humanas por meio da internet, a virtualidade, coisa e tal. Músicas como “Love if it made it”, “Give yourself a try” e “It’s not living (if it’s not with you)” são daquelas que fariam bonito nas rádios e descem de boas nos fones de ouvido, além da curiosa e bem sacada “The man who married a robot / Love Theme”, mas 58 minutos de disco são demais, uns 20 minutos a menos fariam bem ao álbum.

Mas aí depende do freguês, eu sou das antigas e gosto de ouvir o disco inteiro, porém tem que valer a pena. E quase uma hora de The 1975 (ainda mais com as baladinhas do final) cansa os ouvidos do cidadão e faz o que era bem legal ficar com aquele gosto de “por favor, termina logo”.

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MUSE, “Simulation Theory”

Sempre defendo – seja nestas páginas ou entre amigos ou nos quebra-paus da vida da internet – a liberdade do artista em fazer aquilo em que ele acredita no momento, a partir do que o influencia, instiga, lhe dá prazer. No caso da música, em particular, pode ser tanto uma questão de estilo, letras, estética, mas se é o que faz o artista se sentir sincero consigo, ótimo. Basta ao fã respeitar, entender que ninguém faz um disco para agradar somente o outro, mas primeiramente a si, e gostar ou não faz parte do jogo. Mas jamais ofender, essas coisas, que é deselegante, e partir para outra.

No caso do Muse, infelizmente, o jeito é partir para outra. “Simulation Theory”, oitavo álbum do trio inglês, assume de vez uma tendência que começou a surgir bem lá atrás, na época de “Black Holes and Revelations” (2006), e que só piorou com o tempo. No início, era mais uma questão de apostar no populismo do rock de arena com aquilo que o Muse tinha de melhor, a mescla do rock alternativo com o progressivo e hard rock, sem esquecer de coisas difíceis de definir como art rock e space rock. Só que “the 2nd Law”, de 2012 já mostrava flertes com a música eletrônica que a gente tanto gosta, mas que não parecia ter nada a ver com o Muse.

Então veio “Simulation Theory” e tudo degringolou de vez. Aquele rock vigoroso, dramático, profundo, que conhecíamos de músicas como “Muscle Museum”, “Plug in Baby” ou “Stockholm Syndrome” deu lugar, em esmagadora maioria, a um synthpop que pode ser o que eles querem fazer agora, porém para os fãs de longa data descaracterizou por completo o som do Muse – tão obcecado com a estética oitentista que até a capa do álbum remete ao período.

O resultado é um pop eletrônico tão grandiloquente quanto as pretensões de um “The Resistance” e “The 2nd Law”, com letras críticas a temas como a modernidade, tecnologia – o que explica o título do trabalho – mas… faltaram guitarra e personalidade ao trabalho. Há bom momentos do “novo Muse”, como em “Algorithm”, “Tought contagion” e “Pressure” – estas duas até seriam “sobreviventes” de um Muse não tão antigo, mas mesmo assim menos eletrônico. Até “The dark side” se salva, mas é dureza ter que ouvir coisas como “Propaganda”, “Break it to me” e “Dig down”.

Se este é o caminho que o Muse quer seguir no futuro, que sejam felizes, mas eu prefiro ficar com as boas lembranças de álbuns como “Absolution” e “Origin of Symmetry”.

Júlio Black

Júlio Black

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