R.E.M. e o Monstro que mora em nossos corações

Por Júlio Black

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Oi, gente.

Como já comentei em outras ocasiões, efemérides costumam render bons assuntos para colunas. De vez em quando, inclusive, ficamos ansiosos e colocamos o carro na frente dos bois, como foi o caso da coluna sobre os 25 anos de “Zooropa”, do U2, que saiu meses antes do que havia planejado. Mas também pode acontecer o contrário: foi assim com os 20 anos de “Matrix” e, agora, com os 25 anos de “Monster”, um dos meus álbuns preferidos do R.E.M.

O nono disco da banda comemorou bodas de prata em setembro passado, mas por motivos mil acabou ficando para depois, e depois, e depois… Aí eu esqueci, 2019 acabou e assim ficaria, mas um dia desses fui procurar um álbum do R.E.M. para ouvir no streaming e Zás!, lá estava a edição comemorativa de 25 anos, lançada em novembro. Pois bem, como resistir à tentação de escrever a respeito? Afinal, material não faltava para relembrar um trabalho que faz parte da minha memória afetiva.

“Monster” foi um dos primeiros CDs que comprei, e acho que sequer tínhamos CD player em casa na época. Tenho quase certeza que fazia parte dos disquinhos prateados que tinha que gravar em fita cassete na casa dos vizinhos para poder ouvir – é, minha gente, antigamente não era fácil. A capa era linda, com aquela cabeça de urso desfocada num fundo laranja, o Garoto Enxaqueca estava no encarte, só faltava as letras, mas naquela o R.E.M. não facilitava nossa vida.

Quanto à música, foi aquele choque. Vivíamos a era pré-internet, então não conhecia muita coisa da banda. Videoclipes de hits como “The one I love”, “Stand”, “Get up”, “Fall on me” e “Pop Song 89” passavam de vez em quando na MTV; quanto aos álbuns, apenas “Out of time” e “Automatic for the people” em vinil, que eram trabalhos acústicos com uma ou outra guitarra dando as caras. São álbuns fabulosos, com pérolas como “Country feedback” e “Drive” e standards do nível de “Losing my religion” e “Everybody hurts”. Mas ninguém estava preparado para “Monster”.

O R.E.M. decidiu ficar longe das turnês depois da massacrante promoção de “Green”, e aproveitaram para gravar dois álbuns mais tranquilos. Daí que estavam com vontade de voltar ao rock, em especial o baterista Bill Berry, e partiram para gravar o novo trabalho em quatro estúdios diferentes com Scott Litt, produtor que os acompanhava desde “Document”. A produção, porém, teve vários problemas e a banda quase acabou por conta dos conflitos internos, sem contar problemas de saúde de alguns integrantes e a morte de dois amigos de Michael Stipe, o ator River Phoenix (a quem “Monster” é dedicado) e Kurt Cobain, do Nirvana – lembrado em “Let me in”.

E a volta ao rock foi gloriosa, com guitarras pesadas, ecos do glam rock e grunge, que em pouco se parecia com aquela banda tão querida do circuito universitário na década de 1980. As letras de Michael Stipe tinham como temas o culto às celebridades, sexo, paixões obsessivas, morte, incêndios criminosos para faturar a grana do seguro (!), publicitários gananciosos, Satanás roubando o nome alheio. Sempre foi difícil entender o que o vocalista do R.E.M. estava cantando, mas desta vez era ainda mais complicado com os vocais enterrados pela mixagem sob as guitarras. Para completar, Stipe ainda diversificou os vocais, sussurrados, soturnos, viscerais, quase femininos, cheios de energia, tudo dependia do que a canção pedia.

Para os fãs, “Monster” é um dos melhores momentos da banda de Athens, Geórgia, com músicas como “What’s the frequency, Kenneth?”, “Crush with eyeliner”, “I took your name”, “Bang and blame”, “Strange currencies” e “Circus envy”; na verdade, não tem música ruim no disco, que envelheceu bem e continua entre meus favoritos do R.E.M.

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Quanto à edição comemorativa, trata-se de coisa phyna, ah migos e ah migas. São cinco “discos” no total: um com a versão remasterizada de “Monster”, outro com rascunhos instrumentais, um terceiro com remix de todas as faixas, e mais dois com um show realizado em Chicago, em 1995, com repertório muito parecido com o do VHS/DVD “Road Movie” – que está incluído no sexto disco da caixa comemorativa para os colecionadores, um Blu-ray que conta ainda com o álbum em áudio surround e Hi-Resolution e os videoclipes promocionais lançados na época para seis músicas.

No caso do discos com faixas demo, a banda preferiu não entregar rascunhos das músicas do álbum, então o que está lá, exceção feita a “Revolution”, são esboços e instrumentais de músicas que nunca foram completadas – eles chegaram a trabalhar em mais de 40 ideias de canções durante as gravações. Para o terceiro disco, o produtor Scott Litt remixou todas as músicas por não gostar da mixagem original. Das mudanças mais notáveis, estão os vocais de Michael Stipe à frente das guitarras; porém, com exceção de uma ou outra música, o “Monster” original é muito superior. Definitivamente, vale pela curiosidade de imaginar como o disco poderia ter tomado rumos diferentes.

Por fim, os discos quatro e cinco, com o registro de um show em Chicago, mostram o R.E.M. em grande fase, com muita vontade de mostrar ao público as novas músicas. Estão lá, ainda, hits como “Man on the Moon” e “It’s the end of the world as we know it (and I feel fine)”, entre outras. Para a turma que curtia o R.E.M. na juventude, o show serve para relembrar os bons tempos de uma das melhores bandas do século passado; para os meninos e meninas do século XXI, é a oportunidade de descobrir um dos grandes momentos da carreira de Mike Mills, Bill Berry, Michael Stipe e Peter Buck, numa época em que os monstros do rock ainda caminhavam soberanos pelo nosso mundo.

Vida longa e próspera. E obrigado pelos peixes.

Júlio Black

Júlio Black

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