Houve certa vez em uma escola pública de Juiz de Fora um senhor de nome Francisco. Era auxiliar de serviços gerais e de tudo fazia: ajudava na limpeza, na distribuição da merenda, organizava o almoxarifado, consertava mimeógrafo, fiscalizava banheiros e corredores, fazia serviço de banco. Por 50 anos ele desempenhou suas tarefas com alegria e competência. Até que chegou o dia em que, contra sua vontade, Seu Chico foi aposentado.
Não mais a varrição das folhas da amendoeira no pátio, tão velha e craquelada quanto ele. Onde agora a algazarra da meninada? O cheiro de álcool das provas prontinhas para serem aplicadas? O cafezinho na sala dos professores, a prosa com as faxineiras, a bronca nos cabuladores? “Por que a amendoeira pode ficar lá e eu não?”, indignava-se sobre o xadrez da mesa de almoço em casa de parentes.
As filhas então fizeram acordo com a diretora. Duas a três vezes por dia levavam Seu Chico à escola. Ele dava uma volta, olhava se as janelas do banheiro estavam bem fechadas, conferia o estado das vassouras e esfregões. A meninada cumprimentava Seu Chico, alguns ali netos de estudantes que por seus cuidados passaram. As professoras levavam presentes. E aí ele voltava para casa, sempre braço dado com uma das filhas.
Então Seu Chico começou a acordar no meio da noite e pedir para ir à escola, porque “tá na hora de trabalhar”. E também aos domingos. As filhas explicavam que ele já estava aposentado há alguns anos. Mas o coração não acreditava. “Não posso chegar atrasado, senão quem vai abrir o cadeado do portão?” Corpo e mente traindo Seu Chico, as visitas foram rareando de pouco a pouco. E quanto menos ia à escola, mais prostrado ia ficando.
Faz uns cinco anos que Seu Chico morreu. Ou “desligou”, como diz uma das filhas. Simplesmente deixou de acordar um dia, pois não havia mais porquê. Ao velório só não compareceu a velha amendoeira. Gerações de copeiras, professoras, diretoras, alunos e ex-alunos prestaram suas homenagens. Ninguém perguntava de quê ele havia morrido, pois todos sabiam que havia sido de tristeza. Até a amendoeira, que resiste solitária lá no pátio, fazendo sombra sobre os vestígios de sua própria finitude.