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Cruzamento

edificio das clinicas 1969 maria do resguardo
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O sol se espalha gentil sobre a manhã de segunda, colorindo a copa das quaresmeiras e das fachadas de edifícios cinquentenários na Avenida Rio Branco. Brilha sobre a pressa dos carros que rolam no asfalto e das pernas que trotam calçadas traiçoeiras. Na esquina com a Rua Fernando Lobo, o sinal se fecha para mim, dando passagem a motoristas estressados e cachorros-loucos. Do outro lado da rua, sob o Edifício das Clínicas, diviso um velho alto e magro, ereto em sua postura algo aristocrática: a calma, penso, é um tipo de nobreza.

Batuco as mãos em minhas coxas, confiro a tela do celular – quantos dias ficará fechado esse semáforo, esse homenzinho vermelho paralisado no tempo? Desisto de esperar e, cuidando para não ser varado por uma motocicleta endiabrada, avanço sobre a faixa de pedestres. Na margem de lá do leito desse rio de brita e piche, o velho permanece impávido. Em suas mãos vincadas pelos dias, um pacote. Aviamento para a velha esposa? Quitutes para o neto? Aprestos para algum hobby, como montar miniaturas de aviões, pintar aquarelas, jogar botão?

Por trás das lentes ferruginosas dos óculos, seus olhos me acompanham enquanto arremeto em sua direção. Não me julgam, não me medem, me reconhecem como um reflexo, a luz de um sol longínquo que só nos chega às vistas quando há muito se extinguiu numa galáxia distante. O andar firme da juventude de meus 45 anos o insultará? Vê em mim algo além de uma sombra inquieta demais de si mesmo? Sua face de rugas marmorizadas não se move, não me dá outra pista: é piedade pela minha desarvorada impaciência que enxergo em sua exatidão?

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