– O que eu queria mesmo era ficar preso no elevador.
Não entendi se ele falava comigo, com uma das moças tatuadas atrás do balcão ou com alguém sentado em outro banco do lado de lá. Mas a fala me chamou atenção e eu virei discreta e instintivamente a cabeça, o suficiente para ser notado.
– Não precisava ser muito tempo não. Uns 40 minutos, uma hora, já tava bom demais. Preso ali no elevador, sozinho, sabe?
O “sabe” meio que me obrigava a interagir, algo que absolutamente eu não planejava. Queria apenas terminar meu chope enquanto aguardava meus hambúrgueres ficarem prontos. Mas, protocolarmente, soltei um “é mesmo?”. A senha para que ele continuasse.
– É. Ando cansado demais, tá doido. Sinto que todo o meu tempo é dedicado aos outros. É o trabalho, é o estado, mais trabalho, família, gato, mais trabalho, todo mundo, todo mundo parece depender de mim pra alguma coisa.
Emborco meu copo, boca ocupada para nada dizer.
– Já pensei até em bater o carro de propósito. Uma batida que me quebre umas costelas, uma clavícula, que me mande para o hospital por uns dias, nada grave, só pra eu ter uns dias de descanso sem que ninguém me peça alguma coisa. Não se pede nada pra um camarada no hospital, né?
O copo dele esquenta no balcão. O meu talvez fique vazio antes de os hambúrgueres chegarem.
– Mas aí eu desisti. Muito radical. Sei lá se eu calculo mal e não me acontece nada e fica só o prejuízo do carro, ou se calculo pior e me estrepo todo, fico entrevado ou acabo morto. Morrer eu não quero não. Pelo contrário, eu quero é viver. E eu não estou vivendo. Pô, não estou vivendo nadica de nada, cara, só sobrevivendo um dia após o outro, um dia após o outro, um dia após o outro. Ah, cruz credo!
Coloco meu copo vazio no balcão e considero pedir um segundo chope, mas um pacote inerte desce no elevador da cozinha. Deve ser o meu pedido. Salvo pelo “plim” do chapeiro.
– Então o melhor seria ficar preso no elevador, entendeu? Uma horinha ali, sentado no chão, celular sem sinal, ninguém pra me pedir nem me mandar nem depender de mim pra nada. Nenhum relatório pra ler, nenhum email pra checar, nada, só ficar ali olhando pro tempo, sem pressa nenhuma de ser resgatado. Um nada. É isso. Ficar preso no elevador é o mais perto que eu conseguiria chegar do nada absoluto.
Uma das moças tatuadas coloca o saco de papel pardo sobre o balcão, “seu pedido, meu bem”, eu agradeço, me viro para o cara do elevador e digo com sinceridade “já vou indo, boa sorte com o seu elevador” e me ponho no rumo da porta. Niilista esgotado, zen agoniado, ele ainda diz alguma coisa, mas sua voz se perde no burburinho que, encorajado pelo álcool e pela alegria dos encontros, cresce pouco a pouco na atmosfera do bar.