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O Natal cabreiro

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Será o Natal da videochamada. Do Zoom. Do Google Meet. Do “como é que eu mexo nesse trem, sô?”. De receber presente pelo correio, com cartãozinho digitado pelos robôs da Americanas.com. Vai longe o garrancho amoroso que registra o peso da mão na fundura do papel. Tantas pessoas que tradicionalmente se deslocam para a casa de familiares no fim do ano ficarão em suas trincheiras, ruminando a ceia mais sem graça da história.
E tantos outros, que farão suas jornadas de volta para casa sob a ameaça do invisível, viverão um Natal igualmente atípico. Um Natal acanhado. Do cumprimento com soquinho. Com cotovelo. Quem sabe do abraço esterilizado _ e existe tal coisa? Do beijo de borboleta. Haverá uma tia a borrifar álcool spray nos presentes sob a árvore de plástico a cada nome revelado no amigo oculto?
Na longa noite do Brasil, todos os lares se lembrarão de pessoas que já não estão. Parentes. Amigos. Conhecidos. Seus nomes serão lembrados em rodas de orações e em rodas de cerveja. Sobre a mesa, servida em prato fundo, a certeza de que não entrarão pela porta, não enviarão mensagem, não telefonarão nas bordas da meia-noite.
Mas ainda assim, nesse Natal cabreiro, em que todos assumirão a desconfiança do mineiro, haverá de se iluminar alguma esperança. De que no próximo haja mais gente. Que ninguém com quem falamos essa noite nos falte logo adiante. Que no Natal futuro não estejamos preocupados em adoecer nem adoecer ninguém que amamos. Que possamos beijar a rodo. Abraçar a torto. A direito. E que aceitemos, enfim, todo encontro como risco – pois no encontro reside o imponderável -, mas nunca mais como condenação.

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