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Questão de gênero

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Um amigo meu fala “o Goiás”. Explico pra ele que pra mim é “Goiás”, apenas, sem artigo. Outro amigo diz “o Recife”. Há quem use “Recife”, apenas, mas, muito culto, o distinto me explica que o uso do artigo é facultativo, especialmente porque “Recife” é substantivo próprio que deriva de substantivo comum masculino.

Modos que acordei pensando no gênero dos lugares à luz de uma discussão contemporânea: a busca por uma linguagem neutra que promova gramatical e linguisticamente a igualdade dos gêneros.

Antes recebia mensagens de colegas utilizando o “x” (amigxs) ou o “@” (amig@s). Ouvi dizer que são alternativas consideradas elitistas e capacitistas, prejudicam a compreensão de pessoas menos letradas e de deficientes, e por isso vão sendo abandonadas. Ultimamente recebo mais mensagens utilizando o “e” (amigues). Infelizmente, ninguém me manda o Ⓐ anarquista (amigⒶs), que eu adoraria receber. Enquanto a sociedade letrada não se decide, vou usando vocativos como “gente”, “pessoal”, “povo”, “amizades” ou ainda neologismos como “queridagem” – o brilhante professor Waldyr Imbroisi usa o imbatível “queridáions”. Se falo em público, recorro ao duplo apelo do imortal José Sarney, que aplainou esta contenda antes que ela se tornasse popular, em 1985, ao adotar “brasileiras e brasileiros” na abertura de seus discursos – note-se, “brasileiras” em primeiro lugar.

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As cidades, via de regra, safam-se dessa refrega. Senão vejamos: a minha natal Ubá não cabe “a” nem “o”, é Ubá e prontocabô (ou muito me engano, ou acabo de servir um prato cheio para professores de português). Cataguases, Leopoldina, Muriaé, Piraúba, Guarani, Visconde do Rio Branco, Tocantins, Astolfo Dutra, Ervália, Rodeiro, Coimbra, Tabuleiro… ou seja, quase toda a região metropolitana de Ubá está garantida pela neutralidade.

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Mas para que não sejam desprovidas de graça, regras sempre têm em seu encalço umas exceções. Vejam Rio Pomba, que embora derive de rio, substantivo comum masculino, dispensa o “o”. Quando muito, lá em Ubá a gente diz “vou ali no Pomba”, uma intimidade coloquial da qual não muitos povos podem se gabar, apenas os nascidos na região da referida bacia hidrográfica. Mas nunca “vou ali no Rio Pomba”, que diria respeito especificamente ao transbordante curso d’água. Diríamos “vou ali em Rio Pomba”. Mas cabe contestação, até porque a norma culta exigiria “vou a Rio Pomba”.

O mesmo não ocorre com o Rio de Janeiro. Ninguém vai “a Rio de Janeiro”, mas “ao Rio de Janeiro”. Gilberto Gil não cantou “Rio de Janeiro continua lindo”, mas “O Rio de Janeiro continua lindo”. E aí jaz um sério problema identitário que deve ser posto logo em pauta. O rio em questão, geográfico leitor, não é rio, mas baía. O nome de batismo da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro deriva de um equívoco histórico cometido por uns marinheiros portugueses que, de sua nau, em 1º de janeiro de 1502, viram a baía (de Guanabara) e acharam que era rio, nomeando-a assim “Rio de Janeiro”. Convoque-se pois um estudo interdisciplinar que una geógrafos, antropólogos, psicólogos, sociólogos para responder à questão: o Rio de Janeiro identifica-se com o gênero que lhe foi imposto por aqueles rudes marujos? Pois desconheço, com suas feminíssimas curvas, seus pomos e montes, águas e mistérios, cidade mais mulher que o Rio.

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Questão assim não se impõe a Juiz de Fora. Ignoro município em que se possa chamar, com tamanha naturalidade, um magistrado forasteiro de “Princesinha de Minas”.

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