Dos locais de aglomeração que nunca mais veremos em Juiz de Fora está a calçada do cinema de rua. A calçada do Veneza, onde vi “Entrevista com o vampiro” na véspera de prestar o vestibular. Do Excelsior, aonde vim, de Ubá, num ônibus da Unida, assistir ao “Exterminador do futuro II”. Ah, ninguém tinha visto nada como aquele homem de mercúrio líquido até então!
Mas a graça do cinema de rua não era a sala em si. Nem o filme em cartaz. Vampiros, robôs, explosões. Uma sala de cinema, majestosa ou acanhada, é um portal para outra dimensão, deixa de existir quando se opera o milagre da luz. Apagadas as lâmpadas e aceso o projetor, a materialidade das paredes se desfaz no sonho que outro sonhou.
O que fazia um cinema de rua era sua fachada, o saguão de entrada, os ladrilhos no chão, a bilheteria, a catraca, o bilheteiro, a cortina, o lanterninha e sua bandeja de doçuras. E a calçada.
Na calçada de um cinema era possível encontrar pessoas que compunham cenas à parte do filme. Nada do ambiente estéril dos shopping centers, todos com pressa para comprar – roupa, pizza, diversão – e ir logo embora. A calçada de um cinema não era passeio, porque não era feita para passar: era feita pra gente ficar.
Uma calçada de cinema de rua era lugar de espera. Um coração descompassado e aflito aguardava o amor, olhos fixos na esquina em suspense de Hitchcock. Será que ela vem? Ao lado um grupo animado aguardava um retardatário, pois era preciso entrar todos juntos. E do outro, alguns aguardavam a vez na fila da pipoca.
A pipoca! A calçada do cinema de rua devia vir com o pipoqueiro já instalado desde que se assentasse o primeiro tijolo do pavimento. Pois a experiência do cinema não é apenas audiovisual: entra-nos pelas narinas e se aloja em nossos cérebros. O pipoqueiro era o grande projetista irreconhecido dos cheiros impressos na memória.
Não estaremos mais aglomerados na calçada de um cinema de rua, pois eles já não existem. E nem deixaremos que existam, porque temos pressa e nem sabemos o porquê. Não saberíamos mais ficar ali, onde o tempo era suspenso e a vida, a vida rolava como um slow motion de Sam Peckinpah.