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Que tudo se realize (e uma receita de miojo – parte II)

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(o mais importante para o miojo não ficar com muito gosto de miojo é não usar todo aquele pacotinho de tempero. você põe um pouco de água – tipo um copo daqueles de geleia de mocotó inbasa e meio – para ferver e, enquanto isso, vai picando uns pedaços de mussarela. corte as fatias em tamanhos como os de suas unhas e deixe-as espalhadas em um prato fundo, o mesmo prato em que você vai comer. com a água fervendo, coloque lá o macarrão. é bom quebrar o bloco de miojo em quatro partes iguais, pra que fique mais fácil de misturar depois)

Olha, não é que eu seja pessimista com o mundo, eu acredito que o planeta está cheio de gente boa, conheço muitas delas, às vezes até creio que o bem vai vencer o mal uma hora e tudo mais, mas acho uma inconsequência criar esta expectativa toda em volta de um feriado, como se esta data, e não as pessoas, fosse suficiente para mudar o rumo de todas as coisas cotidianas. Isto não tem o menor sentido, como não tem sentido você ficar abraçando alguém que nunca viu na vida, um bobo qualquer vestido igual médico plantonista, e desejar a ele que tenha um bom ano e não sei mais o quê. E vem a mulher do cara e te abraça também, e ela está chorando, porque se emociona muito com toda aquela confraternização, e com o Show da Virada, com o Faustão, a Xuxa e o Didi, e “que tudo se realize no ano que vai nascer”, e derruba espumante ou sidra ou vinho tinto na sua roupa que, se bobear, também é branca, porque você acaba sendo abduzido por este senso comum e compra uma bata de cambraia de linho que vai ficar manchada para sempre, pois você não vai lavar quando chegar em casa levemente bêbado e deprimido, só vai querer saber de tirar a roupa e dormir rápido para que o ano comece logo e, quando se despir, vai se deparar com uma ridícula e broxante cueca amarela que te deram para que você fique rico em 2017, mas, quando chegar 2018, você não ganhou o suficiente para comprar uma cueca melhor que aquela que, a esta altura, já desbotou nos fundilhos.

(enquanto o miojo ferve, corte os pedacinhos de salaminho. eu prefiro peito de peru, presunto ou mesmo mortadela, se possível defumada, mas, como o que tem aqui agora é salaminho… quando o macarrão estiver al dente, escorra toda a água, adicione meia lata de molho de tomate e meio saquinho do tempero do miojo e misture, já com a panela de volta ao fogo baixo. em seguida, acrescente uma colher média de requeijão, espirre um tantinho de catchup e um terço de um tantinho de mostarda e misture tudo por uns quinze segundos)

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Eu não acredito que alguém realmente possa crer – não estou me referindo às práticas religiosas, que respeito muito de uma forma geral e vejo, antes de tudo, como uma tradição cultural que deve ser preservada – que seu comportamento na noite de 31 de dezembro, sua vestimenta, o que você joga para dentro da barriga e, consequentemente, o que joga para o vaso sanitário depois (pela boca ou pelo reto), possa influenciar no seu futuro. Existe causa e efeito, né? Você se mata de estudar para um concurso público, passa e vai trabalhar seis horas por dia para o estado, nunca mais vai perder o emprego e vai aposentar cedo (ops!?) e saudável. Se você não estudar, não trabalhar duro, não roubar ou não tiver pai deputado ou senador, não adianta pular as sete primeiras ondas, vestir calcinha dourada ou comer romã no réveillon: vai ficar pobre mesmo, não tem jeito. Assim como também não adianta pedir à última estrela no amanhecer um amor verdadeiro se não se fizer uma pessoa verdadeiramente amável.
(agora que o miojo está pronto na panela, vire tudo dentro do prato forrado com a mussarela. misture mais, abra uma coca-cola e se empanturre. depois me conte se não é um espetáculo gastronômico)

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Ilustração: Ingryd Lamas
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