– Isso não é vida – pragueja Cadu.
Encarcerado entre reuniões on-line e atividades presenciais, de vez em quando olha pela janela do escritório e vê uma amoreira. Ela cresce solitária em uma área nos fundos do edifício. É um pátio pequeno e meio abandonado, o chão de cimento coberto por folhas secas. Ao centro, um chafariz cadavérico, há muito ressequido, coberto de manchas e rachaduras. Aqui e ali, bancos de alvenaria aonde ninguém senta. Ali só a amoreira vive, seus frutos servindo a passarinhos, seus galhos dando abrigo a lagartas silenciosas que se transformam em borboletas que morrerão rápido demais.
Mas Cadu logo tem que olhar para o computador. Para a tela do celular. Para o monitor de outro computador onde demandas aguardam de boca faminta. Para alguém que do lado de lá da porta de vidro vem carregando uma pasta. Haverá entre aqueles papéis um convite para fugir dali? Pegar o carro e sair sem destino? Tomar um barco para um lugar onde ninguém o conheça, onde não haja computadores, celulares e pessoas carregando pastas? E fazer isso hoje. Agora.
Mas o telefone vibra. Mais uma mensagem. Ele olha o histórico. São nove da manhã e Cadu já conversou com duas dezenas de pessoas. Algumas delas ele jamais viu. E todas requerem para si a mesma atenção.
– Isso lá é vida? – questiona.
Cadu gostaria de não responder a ninguém mais. Queria apenas descer até o pátio abandonado, pegar uma vassoura e varrer aquelas folhas secas bem lentamente, reparando nas suas formas, nas suas ranhuras, nas suas cores. Depois ele buscaria um café, faria uma fogueira com as folhas e ficaria ali, vendo o fogo dançando, os galhos estalando em particular cerimônia crematória.
Depois, Cadu pegaria uma espátula para arrancar o bolor do chafariz. Com uma lixa, tiraria as manchas. E com um balde de cal e uma broxa, caiaria a superfície, atentando para cada relevo entalhado no concreto. É algo a que ele dedicaria sua atenção com deleite. Sem blips, clicks, bzzzs, pléins, póins. Apenas o tempo do homem e a beleza das coisas rudimentares. Mas isso já não se pode. Não há cal, lixa, fogo. Somente planilhas, emails, zaps, métricas, metas, setas indicando labirintos burocráticos dos quais, ele sente, jamais conseguirá sair.
Lá embaixo, uma amoreira vive sem parar.