Escrevo estas mal traçadas ao som de Jane Birkin, que não conhecia, porque não conheço a maioria das coisas nem conhecerei, pois mirrada demais é a vida de um só. Gostaria de escrever sobre Jane, morta sabe-se lá do quê no domingo. Escrever sobre sua carreira na música, que ignoro; no cinema, que pouco vi; na moda, que não é área de particular interesse deste cronista. Ou ainda sobre o charme delirante de suas rugas septuagenárias.
Gostaria de me esforçar, estudar e assim poder desenvolver duas dúzias de linhas que valessem sua atenção, estimado leitor. Mas nada me tira da cabeça a imagem daquele tucano visto hoje cedo.
Poderia também escrever sobre Madonna. Sobre como ela e tantas outras belas artistas estão para sempre acorrentadas à demanda cruel da opinião pública por um viço inesgotável. Sobre sua deprimente desarmonização facial e sua recente internação, dizem, potencializada por uma rotina esgotante de exercícios para rivalizar com jovens estrelas. Ou ainda, de forma mais aprofundada, sobre como o direito a envelhecer parece ser privilégio de nós, homens.
Mas como organizar as ideias se cutuca minha mente o bico flamejante daquele tucano pousado no pé de mexerica, fartando-se de gomos suculentos no pomar generoso?
Poderia quem sabe especular a um só tempo sobre Madonna e Jane Birkin. Sobre como uma, em certa medida, parece o oposto da outra. A primeira, desfigurada pela ditadura da eterna juventude – ditadura da qual, não nos esquivemos, caro leitor, somos déspotas você e eu – que não permite às mulheres abraçar sua própria finitude; a segunda, que lançou ao senso geral um roufenho “va te faire foutre” e se resignou diante da marcha irrefreável do tempo e suas marcas nem sempre agradáveis.
Seria um bom exercício. Todavia, a tudo nubla a imagem do tucano, o corpo pretíssimo e reluzente, o bico de fogo voraz. O tucano que, diferente das divas, não sabe cantar e gorjeia um ronco feio e metálico. O tucano que está ali a menos de dez metros, vivendo, alheio à velhice e à beleza e à escrita, ignorante de Jane Birkin e Madonna, voando do pé de mexerica para o velho cedro desfolhado, seus galhos esquálidos contra o céu de domingo.