Teca não pode ver um cachorro na rua que quer levar pra casa. Não os cachorros de bom porte, limpos, saudáveis e de feições alegres. Interessam-na os estropiados, desnutridos, aqueles que andam de cabeça e orelhas baixas de tanto levar chute de pinguço em porta de botequim. Teca os vê, chega em casa e não consegue dormir, porque fica imaginando onde eles estarão, o que estará sendo feito deles, se têm o que comer, se alguma moléstia os afeta.
Por isso Teca começou a recolher os cachorros. Leva para casa os mancos, os sarnentos, os cegos de um olho, os esquálidos. E Teca os vacina, vermifuga, castra, remedia, alimenta. No quintal de muitos e muitos metros quadrados eles se divertem em segurança o dia todo, as refeições colocadas religiosamente duas vezes por dia, os potes de água sempre bem cheios e limpos. E aquela aparência mendicante meio que se regenera à luz esmeralda da relva.
Agora já são dezoito cães correndo pelo jardim. O carro Teca vendeu, porque é preciso comprar ração e pagar o veterinário, o vermífugo e o antipulgas, e a aposentadoria não tem reajuste desde 2015. Outro dia um mestiço de cocker spaniel fugiu pelo portão aberto e foi atropelado por um motorista psicopata em uma caminhonete monstruosa que sequer olhou para trás para ver o estrago. Foram 15 dias de hospital e a conta não ficou barata.
Para dar o devido tratamento à cachorrada, Teca abdicou do próprio plano de saúde. Uma dor de dente a incomoda faz uns dias, mas ela tem evitado sair de casa, o que não é de todo ruim, pois sem se deparar com os desvalidos caninos ela também não aumenta a população cachorreira no quintal. O pessoal da agropecuária lhe traz os sacos de ração e anota na caderneta, a fatura só crescendo. Ela se preocupa, é claro, mas a angústia é aliviada toda vez que, sentada na escada embolorada da varanda ao fim da tarde, surge em seu colo a cabeça de um vira-latas agradecido em busca de cafuné.