Alexandre trabalhou por dez anos na indústria de automóveis de Detroit. GM, Ford, Chrysler, fez de tudo, solda, parafuso, estofado.
– Dez anos, dez fábricas – repetia ele sempre que podia.
Quando os orientais entraram com força no grande sonho americano e os magnatas preferiram parir suas máquinas de beber gasolina na China e no México, ele arrumou as malas e voltou para Minas Gerais.
– É hora de me reconectar com minhas raízes.
E decidiu então passar seu primeiro mês on the road pelo interior das Alterosas. Levou consigo no Kadett novinho três amigos. Adentrando a primeira cidade, Rio Novo, freou para dar passagem a uma moça que atravessava a estrada metida em calças de baixíssima cintura. Ela meneou a cabeça em agradecimento e, ao erguer os olhos, fitou Alexandre do lado de lá do para-brisa.
– Não acredito! – exclamou a rio-novense, dando a volta e chegando até a janela do carro. – Zezinho!
Alexandre deu corda.
– Sou eu mesmo!
– Menino, você sumiu! Quantos anos?!
– Pois é, nem sei, trabalhando muito e tal.
– Trabalhando muito com o quê?
– Ah… dirigindo caminhão com o meu pai.
O sorriso no rosto da moça saiu da luz radiante para uma luminescência um pouco soturna.
– Dirigindo caminhão?
– É.
– Com o seu pai?
– Pois é.
– Palhaço. Você não é o Zezinho!
E virou as costas pisando duro rumo ao acostamento. Os três amigos deixaram-se rir enquanto Alexandre acelerava rumo à cidade.
– Ah, Zezinho! – berravam e socavam o teto do Kadett num furor por demais juvenil para quem já batia na casa dos 30.
Alcançando a praça de Rio Novo, o quarteto decidiu parar para umas cervejas na tarde escaldante. Antes que fechasse o vidro do carro, porém, Alexandre foi surpreendido pelo grito que vinha de um casarão à sua esquerda.
– Zezinho! Gente do céu, é o Zezinho, ó!
Uma moça de cabelo curto e corte reto acenava da janela.
– Vem cá, Zezinho, vem tomar um café! Mãe, o Zezinho tá aí fora!
Alexandre não titubeou. Trancou o Kadett e foi com os amigos para o casarão. Foi recebido com festa pela nativa. Beijos e abraços.
– Menino, você não mudou nada esse tempo todo! Só parece um pouco mais alto.
– E fiquei um pouco careca – riu Alexandre sem tirar o castigado boné dos Tigers.
– Senta, sentaí que eu vou lá fazer um cafezinho pra nós, deixa seus amigos à vontade. Vou lá falar com a minha mãe, ela vai adorar te ver! Minha vó tá lá dentro também!
A moça partiu casarão a dentro, os amigos de Alexandre rindo à suas costas. Enquanto esperavam aos cochichos, o repatriado decidiu explorar a casa de altas paredes e largos umbrais. Do fim de um corredor, vinha o rilhar de uma máquina de costura. Caminhou até lá e meteu o comprido pescoço pela porta. Numa velha Singer, uma velha ainda mais velha cerzia. Levantou os olhos para Alexandre em indagação.
– Oi – disse ele. – Eu sou o Zezinho.
A anciã impassível.
– A senhora não tá lembrada de mim não?
A costureira de derme paleolítica tirou os óculos e colocou sobre a máquina de costura. Mastigou algo que não estava em sua boca, cruzou as mãos sob o queixo e tornou a olhar para Alexandre, possuído pelo personagem. E disse calmamente:
– Você não é o Zezinho.
O tom monótono da voz da velha desconcertou Alexandre.
– Eu sou sim, a senhora é que..
– Você não é o Zezinho e se não sair da minha casa agora vai ter o mesmo fim que ele.
Alexandre sentiu as pernas bambas e o coração palpitando em descompasso. Tropeçou pra trás, deu com as costas na parede e catou cavaco rumo à sala. Cruzou a porta da rua ordenando aos camaradas:
– Come on, guys, let’s go, bora, bora, bora…!
Na praça ligou o Kadett e cantou pneu sentido Guarani.
Na cozinha do casarão, café fresquinho fumegava no coador de pano.