Não houve tempo para um almoço apropriado. Arroz, feijão, carne, legumes, salada, como manda a tradição. Então chego ao balcão da padaria e peço um pão com linguiça.
– Completo?
– Sim, o completo, por favor.
Pão, linguiça, alface, tomate e ovo. Esse é o completo.
– Pode acrescentar queijo?
– Pode sim, eu vou pedir.
Eu me dirijo à mesa para aguardar o repasto e saco o celular para me certificar de que nenhuma pendência do trabalho reste abandonada enquanto eu abasteço a máquina com proteínas, carboidratos e algumas fibras.
Não há muita gente na padaria. Gente comum fazendo suas coisas comuns. Na porta do estabelecimento, destaca-se uma figura esquálida, agarrada a um quadro, uma pintura a óleo emoldurada em madeira encardida. Um pedinte. Desvio o olhar para o celular. O rango não deve tardar. E não tarda. Logo a moça chega com o prato, o sandubão dividido milimetricamente em dois. Cravo-lhe os dentes com a voracidade de quem tomara café às seis da manhã.
Lá pela terceira mordida, a sombra fuliginosa que pairava na porta da padaria se materializa ao meu lado. Continua abraçado ao quadro. Carrega uma mochila às costas.
– Moço, paga um lanche pra mim?
Sua voz é baixa e educada. Eu olho para os olhos dele, vermelhos, craquelados, famintos. Repare, saciado leitor, não olho “nos” olhos dele, mas “para” os olhos dele, onde não me atrevo a mergulhar. Olho para aqueles olhos e, ainda mastigando meu almoço, me levanto, deixando prato, celular, tudo na mesa, e vou até o balcão. Peço à moça que sirva ao homem – sim, é um homem, um homem – um salgado.
Volto à mesa para terminar minha refeição. Uma das quatro que eu terei feito quando findar o dia. Terminada a boia, vou até o caixa. Pago a conta sem me atrever a olhar para o balcão, onde o homem, sim, o homem que traz um quadro abraçado junto ao corpo, deve estar comendo um salgado. Então saio na tarde abafada e úmida, sem saber o que havia naquela pintura, sem saber o que havia naqueles olhos.