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Rolam as telas

telas que rolam, como a da netflix ou instagram
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Um cidadão passa 45 minutos procurando alguma coisa para assistir em um dos serviços de streaming que assina. E ele assina Netflix, Prime Video, Paramount, Mubi, HBO Max. Fora os filmes baixados de forma ilegal e espetados em um par de pendrives no “derriére” do televisor. Depois desse tempo, aproveitando para salvar alguns títulos em uma lista de favoritos que nunca mais tornará a visitar, finalmente se decide por “Beau tem medo”. Assistira ao “Napoleão” de Ridley Scott na noite anterior e sua decepção fora tão grande que escolheu o novo filme de Ari Aster para ver se sua admiração por Joaquin Phoenix permanecia intacta. Então finalmente dá o play e dorme exatos 6 minutos depois.
Assim temos passado boa parte dos nossos dias: fazendo telas correrem de baixo para cima e de cima para baixo, da direita para a esquerda e da esquerda para a direita, protelando a decisão de mergulhar em algo que nos exija atenção de verdade por mais que 10 minutos. Ou 6. O que fazemos com esse incessante “zapear” – se podemos recorrer ao anacrônico termo dos tempos da moribunda televisão de programação em fluxo contínuo – é, me parece, fugir da necessidade pura, simples e nada banal de pensar. Enquanto fazemos a tela correr – a tela da TV, do notebook, do celular -, seja em plataformas de streaming ou de redes sociais, evitamos focar o pensamento em qualquer coisa que seja minimamente estável. Só nos interessa a fugacidade de imagens e palavras que pouco significam porque passam, a nosso próprio comando, rápido demais para serem reelaboradas pelo cérebro.
Tem um pouco da lógica dos caça-níqueis ali também, me parece. De tentar a sorte em um cassino, mesmo sabendo que a sorte dificilmente virá, porque “a casa sempre ganha”. A Netflix até tentou uma função que era algo como “sortear” ou “embaralhar” sua tela, caso você sentisse que estava recebendo sempre as mesmas dicas do algoritmo e nenhuma delas o interessava. Mas a ferramenta acabou, como dizem eufemisticamente, “descontinuada”. Seja na Netflix ou no Instagram, o fato é que o cidadão vai trocando de tela, rolando, rolando, rolando em busca do seu prêmio, que nunca chega. Nesse falso movimento, que na verdade é um estado de paralisia, suspensão catatônica travestida de alguma ação digital, vão-se minutos, horas inteiras dedicadas a absolutamente nada.
Naqueles 45 minutos do rolar da tela, aquele cidadão descobriria depois, Vinícius Júnior fez três gols contra o Barcelona. O jogo estava passando na moribunda televisão de programação em fluxo contínuo. Nosso cidadão poderia ter tido a experiência de ver o triunfo épico de Vini Malvadeza com a camisa do Real Madrid. Ou, quem sabe, lido um conto de Mariana Enríquez ou de Rubem Fonseca. Tentado fazer aquela receita de torrada com abacate e ovo que está adiando há semanas. Ou colocado um raminho de manjericão em um copo com água, na esperança de vê-lo enraizar para posteriormente plantá-lo em um vaso. Pois em 45 minutos, mesmo que você não seja Vini Jr., dá pra fazer um bocado de coisa. Mas, ai de ti, cidadão do olho parado na tela azul: todas exigirão algum nível da concentração que a cada dia lhe parece mais sacrificante.

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