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Parênteses

parênteses
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Uns dias atrás reencontrei um amigo querido que não via há um par de anos. Combinamos no ponto que ele elege como preferencial para sua primeira cerveja quando em terras brasileiras: o Bar do Futrica. Tínhamos muita conversa para colocar em dia, muitas amenidades e alguns assuntos mais delicados. E o papo renderia pelo resto do dia, em diferentes redutos da cidade, uma verdadeira excursão de reconciliação do meu amigo imigrante com a cidade onde viveu por uns 20 anos.

Como nossas pernas, a conversa ia e vinha, muitas vezes abrindo parênteses extensos que enveredavam por outras temáticas, outras vidas. Aliás, se me permitem um aparte, tem gente que é assim: gente de parênteses. A prosa é moderna, não linear, vai pra cima e pra baixo, pra direita e pra esquerda, dá saltos temporais, flashbacks, abre sótãos e porões, e lá pelas tantas o cidadão estaca: “Onde é que eu estava mesmo??”. E retoma o fio da meada e toca pra adiante. Ou não. Às vezes aquele “onde estava” se perde no multiverso da fofoca.

Frequentemente o interlocutor precisa estar muitíssimo atento para não se ver sem rumo no palavrório que flui com a naturalidade de uma enxurrada verbal. Há pessoas de temperamento mais sensível que podem ficar ofendidas se, depois de dar voltas e mais voltas, nos perguntarem “Do que é que eu estava falando mesmo?” e a gente não souber responder. Podem achar que não estávamos interessados o suficiente em seu colóquio, quando na verdade apenas não pudemos acompanhar todas as janelas abertas no navegador discursivo do distinto palestrante.

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É claro que é preciso adicionar à problemática a questão crescente da fragmentação da nossa capacidade de concentração, motivada pelo excessivo tempo gasto em redes sociais, que obrigam nosso cérebro a pensar saltitando. Elas nos proporcionam tanto uma quantidade maior de assuntos (no mais das vezes superficiais, do tipo “Eu li só o título, mas acho que era isso”) quanto uma capacidade menor de nos aprofundarmos neles. O que talvez nos faça ir pulando de tema em tema sem jamais esgotarmos nenhum. Mas o que eu sei disso?

Parece-me, inclusive, que a esta altura já abri um parêntese dentro do outro parêntese e dentro do outro em digressões sequenciais. Mas, como estou escrevendo e não falando, tenho o recurso de voltar ao início do texto e verificar sobre o que seria essa crônica, salvando-me assim do temerário “Onde é que eu estava mesmo?”. Ah, sim, a crônica seria sobre a visita do meu amigo e nossa excursão conversatória pela cidade, uma narrativa não muito extensa sobre cores e sabores, lugares e pessoas, risos e engasgos. Mais substantivos do que verbos, planejei. Mas pelo visto gastei todo o meu espaço com parênteses.

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