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A Terra não leva desaforo

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A Terra não leva desaforo pra casa.
Mas também não revida na hora. Não senhor. A Terra não é Mike Tyson: não resolve a parada a 10 segundos do primeiro assalto.
Ela dá tempo ao adversário. Tempo para que se redima. Tempo para que desfrute um pouco mais, que dance no ringue. Parece até passiva, acolhendo a porradaria como se fosse sparring da humanidade.
Mas não se iluda, marcial leitor.
Todo ataque, toda ofensa se amontoa no elástico das cordas e aguarda a hora do revide.
A Terra absorve cada golpe, calada. E trama. Trama em suas vísceras pétreas, em suas entranhas de rocha e fogo. Trama sem rancor. Sem ódio e tampouco júbilo. Apenas prepara o justo e o necessário para lembrar: eu sou aqui.
A Terra é o prato onde a vingança é servida, quente ou fria, no estio ou no aguaceiro, em porções apenas suficientes para se fazer lembrar.
A Terra não guarda ira. Não é feroz. Não fere por ferir. Não lhe apraz a crueldade, não goza a dor dos micróbios. Generosa, a Terra se deixa habitar, com seus espinhos e suas flores, seus desertos e seus alagados.
A Terra admite predadores, preguiçosos, caçadores, vagabundos, come-dormes, malandros, bandoleiros, dançarinas de bunda chata e cantores desafinados, mas não consente parasitas de seus veios, agiotas ambientais, especuladores do que ela dá de graça e vampiros – exceto os que chupam sangue e dormem em caixões acetinados, que esses não lhe causam chaga.
Por conta dessa canalha, a Terra reserva a desforra. E, cega de justiça, não faz distinção entre homem na roça e criança no shopping, mulher grávida e padre glutão, cachorro na coleira e cavalo no telhado.
E dá o troco. O cultivado e previsível troco.
Pois a Terra, sabem-no os indígenas e os passarinhos, as palmeiras e os rios, a Terra não leva desaforo pra casa.
A Terra é a casa.

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