O terreno é inóspito. Seco. Da terra estorricada pelo sol severo sobem pequenas nuvens de poeira parda à medida que um menino magricelo e igualmente pardo avança correndo com uma longa vara nas mãos. Será de bambu? Confundem-se braço e pau, gravetos de carne e madeira em comunhão. O menino corre, faz a alavanca fincando a vara no solo estéril e voa por sobre um sarrafo, quem sabe a dois metros de altura, a um oceano de distância de onde a Olimpíada de Paris vive suas derradeiras horas. Moisés Silva tem 13 anos e seu sonho é viver um conto de fadas no qual se torne atleta olímpico.
Os vídeos de Moisés treinando em Curralinhos, cidade de pouco mais de 4 mil habitantes nas lonjuras do Piauí, viralizou nas redes sociais no último domingo, enquanto Tom Cruise se jogava do alto da cobertura do Stade de France. O ator fora buscar a bandeira dos Jogos Olímpicos e levá-la para a América. As duas realidades não poderiam ser mais distantes. Quais as chances do Moisés de Curralinhos um dia se tornar um atleta vencedor e habitar o panteão dos olimpianos, onde se esbarram Tom Cruise, LeBron James e Snoop Dogg? O que é preciso para fazer um atleta campeão?
Uma boa alimentação, por certo. Uma rotina intensa de treinos e uma constituição física privilegiada, que não contribua para lesões. Cabeça boa. Um nível monástico de disciplina e abnegação. Quando adolescentes “normais” estiverem indo atrás de garotas e baladinhas, um futuro olimpiano deverá estar pesando cada ingrediente do café da manhã na balança, exercitando seus músculos, sua elasticidade e sua técnica. Um futuro olimpiano deve ter nutricionista, fisioterapeuta, fisiologista e treinadores de excelência, que o conduzam aos principais campeonatos. E ali ele enfrentará outros candidatos a olimpianos, que o obrigarão a superar não só seus rivais, mas seus próprios limites. Quais as chances do Moisés de Curralinhos nessa jornada?
No século XX, eu diria que nenhuma. No século XX, assim como hoje, Moisés de Curralinhos não teria um local decente para praticar. A cada salto, correria o risco de se machucar caindo de mau jeito naquele chão calcinado, quem sabe fraturando o tornozelo, torcendo o joelho. Estaria sujeito a ver espatifar sua vara de pau e ver os estilhaços rasgarem seu abdome esquálido, dando por encerrada uma vida que mal começou. Não teria, como não tem hoje, uma comissão técnica profissional que olhasse por ele. Mas, diferente do século XX, hoje a mãe de Moisés de Curralinhos, Piauí, tem um celular com acesso à internet. E no século XXI, isso pode ser o primeiro capítulo de um novo conto de fadas, conforme nos ensinou uma certa Rayssa Leal de Imperatriz, Maranhão.