Fim de ano, os dias se afunilando até o iminente 31 de dezembro, prazos correndo ao nosso encontro de braços abertos e sorriso sádico, as festas se amontoando na semana, compondo uma equação inexequível entre a produtividade e a farra. Em algum momento, o inevitável saquinho com papeizinhos bem dobrados chegará às suas mãos. Doravante, não haverá um dia em que você não pensará: o que dizer na hora de revelar meu amigo oculto?
Há toda uma ética para se lidar com o desafio, seja no ambiente escolar, familiar ou laboral. O primeiro aspecto, absolutamente mundano, foi resolvido há muito quando as pessoas começaram a elaborar as listas do que cada um gostaria de ganhar. Obviamente isso acaba com parte do charme da coisa, mas o que o mundo quer da gente é coragem de ser prático e sem graça.
Ora, se fulano diz que quer ganhar uma camisa do Milton Nascimento da Chico Rei, quem sou eu pra tentar surpreendê-lo? Vou lá, como um funcionário público que recebe uma ordem de serviço, e executo. Não há espaço para o exercício da imaginação, para a tentativa de surpreender aquele colega, aquela prima. A ética da produtividade moderno-estressora já se infiltrou na ética do amigo oculto e não há meios de reversão.
A outra parte da dinâmica do tradicional jogo de presentes, porém, resta intacta frente às tentativas de mediocrização: o discurso de revelação que invariavelmente começa com “o meu amigo oculto é…”. Aí não tem listinha no zap que lhe ajude, solitário leitor. É você, sua eloquência e nada mais. Por dias e mais dias é só você digladiando com as palavras e com a sua consciência – sim!, sua consciência, porque não se pode sair dizendo o que lhe der na telha, especialmente se tiver mandado para dentro umas quatro ou cinco Brahmas, sob pena de falar demais. Não vá ser imprudentemente sincero demais, ou cínico, ou passional, ou excessivamente frio.
Então você será torturado pelas palavras, frases e orações, por adjetivos e advérbios, vocativos e substantivos, em busca da melhor expressão, o “mot juste”, ou seja, a frase absolutamente correta e essencial que servirá de veículo àquilo que você tanto ruminou naqueles últimos dias de tortura e sofreguidão. O amigo oculto é também isso: esse momento em que todo mundo, engenheiro, pedreiro, costureira e tabelião, todo mundo é tirado pela língua portuguesa, inculta e bela, para dançar. E ai de ti que lhe pisar os pés esquivos.