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Homo translucidus

fantasma
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Habito um mundo de gente invisível.

A maioria esmagadora da população mundial é absolutamente invisível para mim.

E para você também.

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Invisível pelo motivo mais geograficamente óbvio: está fora do alcance da visão.

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Mas invisível também e principalmente porque não entra em nosso radar de percepção nas ruas atulhadas, nos ônibus lotados e nos bancos cheios de desesperançosos.

Por pressa, desinteresse ou egoísmo, não notamos essa gente, dela não sabemos nada nem queremos saber.

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São pessoas, para tomar emprestada uma classificação da física, transparentes.

E sobre elas não cabe julgamento.

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E há também as opacas.

Estas, sim, ocupam espaço definido e importante em nossas vidas.

Relacionamo-nos com elas, dependemos delas em determinados sentidos, somos afetados e as afetamos na mesma medida – afetar no sentido original do verbo, ligado ao substantivo afeto. Depositamos nelas nossa confiança, nossa amizade, nossa fé, nosso amor.

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Para mim são pouquíssimas, e eu quase apostaria que para você também, exigente leitor.

E, ainda segundo as leis da ótica, entre os transparentes e os opacos, há aquela gente translúcida.

Cuidado com os translúcidos – aconselharia o cronista se conselho fosse bom.

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Os translúcidos são aqueles que não são totalmente invisíveis, porque estão aí, circulando como fantasmas de desenho animado.

Podemos ver através deles, mas não podemos deixar de percebê-los.

E, note: escrevo que podemos ver ATRAVÉS deles, e não DENTRO deles, porque o que há dentro deles é igualmente translúcido.

Virtualmente oco, o homo translucidus é uma espécie que tende a vampirizar aqueles que estão ao redor para se alimentar da força alheia, da bondade do próximo, da alegria do outro.

E então segue seu caminho, sem nunca dar nada a ninguém, somente tirando, na tentativa – será legítima, honesta, inocente? – de preencher o próprio vazio.

Habitando esse lugar entre o transparente e o opaco, o translúcido relaciona-se à ilusão.

À miragem.

E como naqueles velhos cartuns, a miragem convida ao mergulho.

Para nos fazer quebrar a fuça na areia estéril.

O homo translucidus é danado.

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