É domingo e eu não durmo bem.
Embora a geladeira esteja abastecida de comida.
E cerveja.
E a dispensa esteja abastecida de macarrão e pães e haja legumes e frutas que atraem drosófilas e no canteiro atrás da casa cresça alecrim e manjericão e hortelã, mas é domingo.
E eu não durmo bem.
Hoje falei com minha mãe. Estão todos bem lá em casa. Minha irmã peleja com as provas finais dos seus alunos. E ri. Meu tio constrói um novo curral. Vacas parem bezerros. A égua está prenha. O pasto verdeja. Com tanta chuva, não teremos problema com desabastecimento de água. Todos estão cientes do amigo oculto.
Mas é domingo, e eu não durmo bem.
Não houve jogo do Flamengo, então vi um filme a mais no fim de semana. Há mais festas que compromissos chatos nos próximos dias. Reverei muitos amigos queridos. Tenho ensaio na segunda e show no sábado, então farei o que mais gosto de fazer. Só que é domingo.
E eu não durmo bem.
Sei que tenho um problema para resolver no Detran relativo à minha motocicleta. E outro no mecânico. São alguns problemas motociclísticos esses dias. E alguns no trabalho. Tenho muito o que organizar: o tempo e as coisas. IPVA. IPTU. A lista de materiais escolares à espreita na intranet do colégio. OK. Tudo sob controle. Ocorre que é domingo.
E eu não durmo bem.
Chove e venta como se o mundo fosse acabar, mas eu sei que o mundo não vai acabar enquanto eu estiver vivo, nem enquanto estiverem vivas minhas filhas e meus netos e minhas netas – se uma das duas ou as duas vierem a tê-los, não sei se virão.
Como também sei que o Brasil não irá acabar tão cedo, embora esteja agora nas mãos de uma organização de fanáticos e adoradores de assassinos e estupradores, porque tempos ruins, como pessoas ruins, também passam.
Eu sinto meu corpo saudável.
Não tenho dor de dente.
Mas é domingo.