Fazia tempo que eu não me sentava em um banco de praça. E Três Rios, ali onde se abraçam o Paraibuna, o Piabanha e o Paraíba do Sul, só conhecia de passagem. Acompanhar a Sra. Guiducci a uma viagem profissional foi, então, oportunidade de conhecer a terra da Dona Júlia Pessôa e quentar um sol na Praça da Autonomia. Afinal, de que outra forma se conhece minimamente uma cidade senão quarando em seu jardim principal?
Como gosto mais de viagem do que de profissão, deixei que a Sra. Guiducci fosse resolver suas coisas e tratei de ocupar meu tempo. Comi pastel com caçulinha na lanchonete que esquina uma galeria, cruzei a rua e caminhei praça adentro. Fazia frio na manhã radiante, e um banco de praça ao sol me pareceu boa ideia para abstrair do caminhar do relógio.
Livro embaixo do braço, sentei em um banco pouco confortável, de frente para o coreto no coração da praça, tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro desde 1992. Ali se reuniram no passado, antes dos pastéis e do guaraná caçulinha, os autonomistas, que lutaram pela emancipação do Distrito de Entre-Rios, como se chamava à época, do município de Paraíba do Sul.
Mas isso tudo vim saber depois. Ignorava a história do coreto tanto quanto o pombo aos meus pés, ciscando migalhas aqui e ali. Tanto quanto as crianças correndo atrás umas das outras, ainda pequenas demais para a escola. Às minhas costas, um jovem vendia carregadores de celular genéricos um atrás do outro em sua barraquinha. À esquerda, um velho de chapéu branco, vestindo camisa do Flamengo, deixava-se aquecer pela luz solar. Gente ia e vinha em todos os sentidos. Ao pé do coreto, uma mulher esperava impaciente.
Eu alternava essas cenas com as cenas de “Sete mentiras e uma verdade”, livro do professor Rodrigo Barbosa que tem me acompanhado para cima e para baixo esses dias. Lia um par de páginas, levantava os olhos, lia a praça. A Praça da Autonomia, onde circula essa gente que vive à beira: à beira do rio, à beira da estrada de ferro, à beira da rodovia.
Uma senhora me aborda. Precisa vender seus bolinhos de chuva, arrecadar R$ 60 até o fechamento do banco, senão vão lhe cortar a luz da casa. Digo que quero um saquinho, ela diz que custa 5, estico uma nota de 20, ela sai pra trocar e volta com 10, me entrega dois pacotes com os bolinhos e ficamos bem assim. “Eu faço eles com mel, viu, moço? Deus lhe ajude.” “À senhora também.” A vida é dura pra todo lado. Até na Praça da Autonomia.
Volto ao romance do Rodrigo, envolvido pelo rumor da praça ao redor. Leio a troca de cartas de amor entre Sofia e Fred, suas vozes mixadas com motores de carros e passos apressados e conversas frenéticas de uma Babel de uma língua só. Até que a Sra. Guiducci me tira do transe. É hora de ir. Flâneur às avessas, parado enquanto o mundo passeia, me coloco de pé. A estrada espera. “Voltamos por Cotegipe?”, pergunto. “Costumava passear de moto por ali. É uma estrada bem bonita. E eu tenho bolinhos de chuva. Eles foram feitos com mel.”