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O apodrecimento do cérebro

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Uma leitora desta coluna outro dia me questionou por que ando escrevendo tanto sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação. Respondi que não tenho como escapar do tema, pois é tão presente para nós quanto era a urbanidade para um cronista do fim do século XIX, o automóvel para um cronista do início do século XX. E não pôde escapar do tema também o pessoal da Universidade de Oxford, que elegeu o termo “brain rot” (cérebro apodrecido) como palavra do ano de 2024.

A escolha é relevante, ainda que possa ser considerada tardia. E não pouco tardia. Nos idos de 1854, no livro “Walden”, Henry David Thoreau – também autor do indispensável ensaio “A desobediência civil” – já se ocupava do “apodrecimento do cérebro”. Escreveu o historiador e filósofo: “Enquanto a Inglaterra se esforça para curar a podridão da batata, nenhum esforço será feito para curar a podridão do cérebro — que prevalece muito mais amplamente e fatalmente?”. Fatalmente, sim, pois a quem interessaria uma multidão de cérebros apodrecidos senão a quem puder subjugá-los?

De minha parte, em conversas informais, eu que não conhecia o termo tenho usado a expressão “derretimento do cérebro”. Imagino nossa massa cinzenta se liquefazendo a cada vídeo de gatinho, a cada dancinha de subcelebridade. É o esgoto da internet correndo para dentro de nós, o chorume dos miolos servindo-lhe de afluente. O “apodrecimento” a que Oxford se refere é assim definido: “o impacto do consumo excessivo de conteúdo on-line de baixa qualidade, especialmente nas redes sociais”. Voluntariamo-nos alegremente, hiperconectado leitor, à imbecilização.

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É muito tempo prestando atenção – na verdade, estilhaçando a atenção – em “conteúdos” (muito entre aspas) de “baixa qualidade”, ou seja: lixo. É material que não nos desafia minimamente a cachola, que não nos obriga a pensar um pouquinho que seja. É uma mera busca por anestesia, da mesma ordem da anestesia do jogo, rolando a tela na esperança de um prêmio qualquer que nunca vem – o prêmio, talvez, seja a notificação de um “like” naquele post com uma selfie que você fez no espelho da academia.

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Atire a primeira pedra o leitor que, como eu, nunca tomou um susto quando, após rolar infinitamente a tela do celular, absolutamente imerso num mundo de imagens retocadas, objetos de consumo e notícias descontextualizadas, se deu conta da hora: “gente, perdi noção do tempo!”. Somos diuturnamente levados a abrir mão da capacidade de reflexão em nome da universal narcotização virtual. E se, por algum motivo, sentimos um impulso de pensar mais profundamente, nos sentimos incapazes, entrevados, catatônicos, porque vemos nossa capacidade de associações complexas dinamitada por terabytes de informação inútil. Não aprofundamos nada, apenas chafurdamos num atoleiro de memes e respostas simplificadas por motores de busca turbinados por inteligências artificiais.

O jornalista Nicholas Carr encerra o seu livro “A geração superficial: o que a internet está fazendo com os nossos cérebros”, com a seguinte reflexão, que roubo na mão grande e ofereço aos 5% dos leitores que lutaram contra a pobreza do meu texto e a fragilização (orquestrada, não se iludam) de seu próprio cérebro para chegar até aqui: “Cultura é mais do que o agregado que a Google descreve como ‘a informação do mundo’. É mais do que pode ser reduzido a um código binário e fazer um upload na net. Para permanecer vital, a cultura deve ser renovada nas mentes dos membros de cada geração. Terceirizemos a memória, e a cultura definha”.

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