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Eu e somente eu

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Nunca estivemos tão conectados. E nunca tão separados.

Impossibilitados de evitar a rede que nos liga uns aos outros, percebemos que o que deveria nos aproximar, na verdade, nos afasta.

A velocidade liquidifica, por certo.

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Mas não é só isso.

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Se ontem, para afirmar nossas identidades, nosso lugar digno, justo e pleno no mundo, queríamos a igualdade, hoje queremos a diferença.

E sequer nos damos conta disso.

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Na ânsia pela criação de uma personalidade pública que nos singularize, afastamo-nos uns dos outros.

Sou mulher. Mas sou negra. O feminismo não me basta, pois preciso de um feminismo negro. Mas também sou idosa. Logo, preciso de um feminismo negro da terceira idade. E sou homossexual, então preciso de um feminismo negro idoso LGBTTI. Mas se minhas amigas comem carne, e isso não suporto, preciso me afastar delas e me alinhar ao feminismo negro idoso LGBTTI vegano.

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Que não ouça sertanejo.

Não fume.

Nem beba Coca-Cola

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Não vote nunca mais no PT.

Que não se horrorize com gente pelada.

Que torça apenas para o time da sua cidade.

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E que tenha operado o joanete aos 30 anos (mas ele voltou).

Até restar somente eu e mais ninguém como eu.

É o que fazemos.

Não queremos mais buscar em nós ou no outro o que nos iguala, mas o que nos diferencia.

Toda dessemelhança é agora irreconciliável.

Na busca, legítima e louvável, pela afirmação de nossas identidades – minoritárias ou não, e tão várias e bonitas -, perdemos as estribeiras e já não queremos mais papo com ninguém que não seja exatamente igual a nós.

Não permitimos vozes dissonantes.

Tornamo-nos incapazes de nos unir por qualquer coisa, por qualquer causa, porque simplesmente não aceitamos o que não é “eu”.

Somos incapazes de caminhar lado a lado.

Nos esfacelamos como humanidade.

Pecinhas de montar multicoloridas.

Desarticuladas.

Impotentes.

Solitárias.

(e lá em cima os tubarões nadam livres em círculos de poder, felizes e empanturrados da nossa carne burra)

 

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