Órfã nasceu sem mãe.
Ao botar a cabeça feia e de penugem cinza-chumbo para fora do ovo, não viu galinha, não viu pintinhos, não viu outros ovos. Apenas enxada, serrote, corda. E umas brutas de umas aranhas a espreitar de todos os cantos do teto.
Órfã nasceu em um quartinho de ferramentas na Miragaia, Zona Rural da cidade de Ubá, chocada pelo calor que abrasa o vento, ovo esquecido no cantinho de uma prateleira.
Foi encontrada piando solitária pelo dono da fazenda, que teve o cuidado de alimentá-la propriamente até que ganhasse porte para ir ao terreiro.
Tendo por pais o abandono e a temperatura tórrida da Cidade Carinho, jamais se adaptou à vida no campo. Não se misturava com as galinhas. Não comia minhoca. Nem barata ou gafanhoto. Mariposa ou lagartixa. Só fubá e fubá apenas, numa tigelinha com seu nome colocada na porta da cozinha, que a dona da casa providenciou.
– Órfã parece um gato.
Parecia mesmo. Andava atrás do fazendeiro para cima e para baixo. Queria entrar dentro de casa. Ver a novela das sete e o Jornal Nacional. Dormir ao pé da cama. Isso não podia. Não estava certo.
Quando tinha visita, Órfã ficava temperamental. Bicava as pessoas. Uma galinha ciumenta. Isso não estava certo, não estava certo mesmo.
E foi justamente uma visita que se afeiçoou por Órfã.
– Levo ela comigo pra Juiz de Fora agorinha.
– E faça bom proveito.
A mudança fez muito bem a Órfã. De fato, não era galinha de fazenda. De caipira só tinha alcunha. Adaptou-se perfeitamente ao ritmo da cidade. Agora mora com proeminente engenheiro no Alto dos Pinheiros, faz suas necessidades fisiológicas em bandeja cor de rosa com areia higiênica, assiste Netflix e pode ser vista circulando pelo São Mateus à janela de uma Land Rover.
Espera conhecer Cabo Frio em fins de novembro.
E mais: Órfã, que por trauma jamais pusera um ovo sequer enquanto digladiava com a vida rural na Miragaia, agora bota ovo dia sim, outro também, orgânicos, vermelhinhos e de boníssima qualidade.