Desde o dia em que comerciantes norte-americanos saíram pintando em toldos de farmácia da cidade de Atlanta o slogan “Beba Coca-Cola”, lá em fins do século XIX, o uso de verbos conjugados no imperativo afirmativo tornou-se banal na comunicação. A admirável Pitty bem o descreveu, uma centena de anos depois, em seu “Admirável chip novo”: “Pense, fale, compre, beba, leia, vote, não se esqueça, use, seja, ouça, diga, tenha, more, gaste, viva”.
No século XXI, toda expressão verbal parece estar a serviço da universal persuasão. A possibilidade conferida ao bicho humano de ser seu próprio veículo de comunicação – digo, a possibilidade de seus perfis ou avatares digitais serem seu próprio veículo de comunicação -, emitindo não para um, mas para vários receptores (a depender da quantidade de seguidores, fãs, “amigos”), inseriu uma nova dinâmica ao negócio.
Se antes eram as marcas, ainda que vestindo a pele de modelos e atores e perus falantes, a ditar o que beber, comer e, em última análise, defecar (pois, como talvez tenha sugerido Décio Pignatari em seu poema “Beba Coca-Cola”, todo consumo terminará na cloaca), usando uma elaborada linguagem para vender calcinhas, linguiça e pneus, hoje o imperativo afirmativo jorra aos borbotões das bocarras de pessoas físicas, sejam elas o Elon Musk ou a Dona Alzira da Padaria Xoxopão. E isso de certo você já percebeu, vulnerável leitor: o que não falta é gente entendida de tudo quanto há querendo lhe ensinar alguma coisa.
Sempre tem alguém pronto a fazer uma live, dar uma palestra, quem sabe organizar um webinário, até um seminário, uma cúpula, um evento qualquer em que um sabidão ou alguns sabidões nos ensinarão, a nós, pobres ignóbeis, a fazer algo que preste de nossas vidas. Ou, pior: a sermos alguém que preste nessa vida. Em 99% por caso, esses “professores” serão uma coisa ou outra: picaretas mal-intencionados ou ignorantes tão ignorantes de sua própria ignorância que ignoram sua própria patetice.
E não uso aqui educação formal como baliza, pelamor: é sabido que dissertação não faz mestre e tampouco tese faz doutor. Haverá sábios diplomados e outros tantos que sequer sapato calçam. O que tem me impressionado é a formidável autoconfiança que faz com que pessoas dotadas de dois neurônios a mais que um repolho – “catedráticos”, na acepção de Didi Mocó – sintam-se autorizados a dizer a outros o que fazer de suas vidas, de sua relações, de seus estudos, de seus negócios, sem que a cara queime por um segundo sequer, ainda que, ao fim, sua verborragia não encontre receptáculo mais apropriado que uma cloaca.
Tudo isso me faz, uma vez mais, refletir sobre a atualidade do nunca suficientemente citado poema de Yeats, escrito há mais de cem anos (bem como o slogan da Coca-Cola) e que lá pelas tantas diz algo como: “Enquanto os melhores perdem toda a convicção, os piores se enchem da mais apaixonada intensidade”.