Faz calor na manhã juiz-forana. Um calor abafado desses que prenunciam o temporal que virá no meio da tarde. Ainda não são oito horas e a gente já sente o suor descendo nas têmporas. Na Rua Padre Café, no Condado de São Mateus, um homem de inabalável dignidade parece trafegar com ar-condicionado particular. Tem o cabelo castanho médio Biocolor impecavelmente cortado, o bigode muito bem aparado e leva ao ombro uma sacola ecológica. Nela ruge belíssima onça-pintada, botando o carão para fora de um arbusto de samambaias e inhames-pretos e taiobas ornamentais.
O homem traja camisa do Corinthians – original, do título brasileiro de 2005 -, vistosas pulseiras douradas e prateadas em ambos os pulsos, aneis em profusão e colares sobrepostos, bermuda florida e havaianas azuis. O cabelo, ainda um pouco úmido do banho recém-tomado, reluz ao sol branquicento da outrora Manchester Mineira, assombrada agora pelos cadáveres de suas indústrias fantasmáticas.
Esse homem caminha com firmeza e altivez. Tem um objetivo. Saiu, como tantos brasileiros, para ir às compras e levar algo para o almoço. Em casa esperam talvez a esposa e uma sogra velha. Quem sabe as crianças na escola? Esse homem com um objetivo sabe das preferências da sua família. Ciente de todas elas, para em frente à quitanda. Na calçada, um enorme tambor azul acumula os rejeitos das bancas de verduras e legumes. E dentro dele o homem começa a selecionar o que será servido no almoço.
Com paciência, ele começa seu garimpo. De cara consegue salvar meia abobrinha italiana. A ponta está um pouco apodrecida, mas é só cortar e o resto será muito bem aproveitado. Paciente, remexendo com delicadeza aquilo que para muitos é comida para porcos, recupera dois tomates semibolorentos e meia cebola. Ah, tomate, cebola bem picadinha e abobrinha: onde vês lavagem, afortunado leitor, um delicioso refogado.
Baroa, beterraba (um pouco murcha, é verdade), uns raminhos de hortelã meio defuntos, moranga. Um homem não deve voltar para casa sem ter o que dar de comer a sua família. E esse homem na Rua Padre Café é um distintíssimo homem. Nessa cidade repleta de oportunidades em cada esquina, marcha para casa o Homem triunfante e sua bolsa de onça-pintada, certo de que no Brasil de 2023 só passa fome quem quiser. Basta ter coragem.